Viver para (se) transformar

Bárbara Moreira Drummond de Almeida

Graduada em Sistemas de Informação pela UFF.

Foi intercambista na Hochschule Karlsruhe – Technik und Wirtschaft (Alemanha) em 2019.

A vivência internacional existe como um anseio de poder conhecer e experienciar culturas, lugares, pessoas e sabores distintos de tudo o que nos é conhecido. Ao mesmo tempo em que, entre estas diferenças, busca-se encontrar uma sensação de familiaridade, pertencimento e acolhimento. É por isto que, quando muitos alunos universitários embarcam em aventuras mundo afora, tendo já tido tal experiência anteriormente ou não, hão de sempre retornar com o sentimento de que, uma nova peça de um grande quebra-cabeça, o do conhecimento e descoberta do mundo, foi encontrada.

Minha experiência no exterior começou muito antes de que, efetivamente, eu pisasse em terras estrangeiras. Começou inicialmente por um sonho e um desejo de criança; desejo este de conhecer as terras de minha avó (terras europeias, de onde veio tão nova, fugindo das consequências terríveis da Segunda Guerra e buscando uma vida mais próspera, e lugar do qual me relatava tão vividamente sobre suas histórias de menina). Tendo ouvido tanto e pouco tendo visto, desejava poder testemunhar e pisar em solos os quais meus antepassados haviam pisado anteriormente.

Conforme a responsabilidade e o dever de crescer me acometeram, considerando o fim de uma fase educacional e início de outra, embarquei-me nos estudos na universidade pública, com a clara noção da notável qualidade de ensino, mas ainda com ingenuidade em relação ao amplo espaço de infinitas possibilidades de aprendizagem que me seria apresentado posteriormente.

Tendo vindo de uma família humilde, não possuía grande convicção de que seria capaz de um dia conhecer outras terras. Entretanto, apesar de certas limitações, não me acovardei e mergulhei de cabeça nos estudos, ainda que intercalando com empregos de meio período para me sustentar fora de meu estado natal (São Paulo). Com isso, os frutos do meu empenho nos estudos, somados a uma gota de esperança que me motivou a me inscrever no edital de intercâmbio da UFF, me proporcionaram o que viria a ser uma das experiências mais transformadoras da minha vida.

Aproximadamente em junho de 2018, realizei a minha inscrição no edital de mobilidade internacional da UFF e, após realizar diversos trâmites e concorrer com milhares de outros alunos, fui aprovada com bolsa para realizar um semestre de intercâmbio acadêmico na Alemanha! Certamente, a alegria que se seguiu contemplou não apenas o meu entusiasmo, mas de toda uma família que, mesmo de longe, vibrava pela oportunidade conquistada que representava os sonhos não apenas de um, mas de todos.

Os meses que se seguiram foram de preparação, tanto burocrática como mental, para o período internacional que estava por vir. Meu intercâmbio na Alemanha iniciou-se, então, em fevereiro de 2019, momento o qual, o primeiro frio na barriga surgiu, quando me encontrava no aeroporto, já tendo me despedido de toda a família, apenas aguardando um voo de quase 12h para um lugar completamente novo e desconhecido.

A primeira sensação ao pisar em terras germânicas foi, honestamente, apavorante. Sim, eu estava super contente e, ao mesmo tempo, com medo. Nada conhecia e nem ninguém. Porém, o medo logo se dissipou, pois eu sabia que as partes burocráticas já estavam previamente resolvidas e planejadas para que, agora, bastasse apenas que eu aproveitasse a experiência.

Minhas primeiras impressões culturais da Alemanha foram, no geral, extremamente positivas. Começando pelo metrô, que foi o primeiro lugar no qual pisei, após minha saída do aeroporto de Frankfurt. Apesar do famoso estereótipo de alemães frios, assim que eu comecei a descer as escadas do metrô, para ir em direção a Karlsruhe, carregando uma mala enorme, um moço muito gentil me abordou e, prontamente, ofereceu-me ajuda e carregou minha mala escada abaixo. Além disso, o metrô em si, bem como os trens, o tram e quaisquer outros transportes públicos, que precisei utilizar durante minha permanência na Alemanha, sempre foram surpreendentemente pontuais, limpos e organizados. Era impressionante, para mim, que não houvessem as famosas “catracas” nos diversos transportes públicos, pois contava-se sempre com a boa fé e confiança de que os passageiros comprariam um ticket antes de embarcar.

Ao chegar em Karlsruhe, também fui recebida de maneira agradável e até mesmo peculiar, de forma que não estava habituada em terras brasileiras, onde somos um pouco mais “soltos”. Explicando: na Alemanha, quando você chega em alguma cidade, é necessário (mandatório) se registrar no cartório da cidade como morador. Pois bem, fui ao cartório, levei meus documentos de estudante e me registrei. Não foi que, para minha surpresa, ao final do cadastro, recebi um voucher de 50 euros para gastar em diversas lojas da cidade, além de um caderninho com diversos cupons de desconto válidos para vários outros estabelecimentos. O agrado foi muito bem recebido e, com certeza, saí de lá muito contente de ter me registrado na cidade, pensando: ah, se todos os locais para os quais nos mudamos nos recebessem assim, né?!

Outro ponto interessante e facilmente notável para quem veio de cidades caóticas como São Paulo e Rio de Janeiro, era que, ao atravessar as ruas, os alemães sempre, indiscutivelmente, respeitavam as sinalizações de trânsito. Ou seja, ainda que não houvesse carros na via, se o semáforo de trânsito encontrava-se fechado para os pedestres, todos aguardavam até que ficasse verde. O mesmo valia para os carros. Ou bicicletas. Sim, até mesmo as bicicletas respeitavam os sinais de trânsito!

Bem, já que falamos das bicicletas, é cativante o fato de que, aparentemente, as bikes devem ser o transporte mais utilizado por lá. Isso, é claro, junto com o tram. O tram é como se fosse o nosso VLT aqui no Rio de Janeiro, exceto pelo fato de que tem dezenas de linhas, alcança a praticamente todos os bairros da cidade e, como sempre, é muito pontual. Mas, voltando às bicicletas, tenho que assumir que os alemães a utilizam tanto que, às vezes, chegava a ser presunçoso a maneira como eles pedalavam sem as duas mãos no pedal, como quem já fez isso a vida inteira. Felizmente, graças a esse costume amplamente difundido, podíamos ver ruas extremamente tranquilas, sem trânsito, sem buzinas estridentes, pois não havia quase carros nas ruas (claro que isso também se devia um pouco ao fato de que eu estava em uma cidade mais afastada).

Agora, se tem algo que eu sinto falta até hoje, era a facilidade ao se fazer compras no supermercado. De alguma maneira, os caixas eram excepcionalmente rápidos e você nunca passaria mais do que cinco minutos na fila. Além do famoso “Pfand”, que é um sistema de retorno de recipientes recicláveis muito conhecido na Alemanha. Neste sistema, todos os supermercados contêm uma ou mais máquinas que recolhem recipientes utilizados de vidro, plástico e metal e devolvem um valor monetário para cada recipiente depositado. O valor pode ser coletado em dinheiro ou na forma de um cupom para ser utilizado em compras no mercado. Sendo assim, é bem comum observar não apenas os cidadãos retornando os recipientes utilizados por eles mesmos, como também pessoas coletando recipientes abandonados na rua, em festas, ou em qualquer lugar, para trocar por vouchers no mercado. Isso faz com que a reciclagem seja recorrente e fácil no país, além das ruas serem mais limpas, já que latinhas e garrafas não passam muito tempo na rua sem serem pegas por alguém. Neste ponto, confesso que, eu e mesmo meus amigos adorávamos coletar latinhas nos finais de festas para, no dia seguinte, trocar por chocolates e biscoitos no mercado.

Já em relação ao clima, é muito intrigante notar como as estações podem influenciar no próprio comportamento e relações sociais das pessoas. Quando cheguei à Alemanha, estava quase no fim do inverno, mas a temperatura ainda era constantemente negativa e tive a sorte de ver neve apenas uma ou duas vezes. Porém, o clima geral era quase asfixiante, para quem havia saído do Rio de Janeiro em pleno verão. Notava-se que as pessoas na rua buscavam logo poder entrar em um estabelecimento no qual pudessem se aquecer e, sair de casa, só se fosse para uma “social” na casa de alguém ou para locais fechados, isso quando houvesse coragem de encarar aquele frio. Nesta época, cheguei a pensar que os alemães fossem realmente “frios”, pois não havia tanta interação e era possível observar que os mais afoitos para o convívio social eram os próprios estudantes estrangeiros, vindos de diversos países que aspiravam às novas vivências.

Porém, com a chegada do verão, as pessoas estavam em toda a parte, tomando sol para se aquecer em parques ou se refrescando nos lagos (devido à falta de praias), organizando festas na natureza, piqueniques, grupos de dança em frente ao castelo, festivais de cervejas (que os alemães tanto gostam), entre vários outros tipos de encontros sociais. E, então, com o verão, foi possível vislumbrar, mais claramente, uma nova cultura e costumes sociais que, ainda que distintos, partilhavam da mesma similaridade de buscar contato humano, mostrando que, talvez, os alemães não fossem assim tão frios.

Com isso, pude constatar que um elemento marcante e imprescindível na vida social, na Alemanha, são os castelos. Apesar de serem meio sombrios no inverno, quando não há uma única flor ou folha nas árvores, no verão estes são normalmente envoltos por um vasto parque com árvores e uma paisagem harmoniosa, compondo um local no qual não apenas os alemães, mas também estrangeiros gostam muito de se reunir.

Creio que, dos aspectos culturais, estes foram certamente os que mais me marcaram. Especialmente, pelos contrastes observados em relação ao nosso país devido à maneira mais consciente que os alemães agem em aspectos sociais e ambientais (como a reciclagem e uso de transportes menos poluentes à natureza). E, falo isso, mas não com pesar, e sim com a esperança de que nós brasileiros também possamos nos desenvolver em sociedade para, futuramente, alcançar um maior nível de consciência em relação ao mundo à nossa volta. O legal de tudo isso é poder conhecer outras formas de viver e saber que nem todas as dificuldades que passamos no dia a dia são insolúveis, às vezes, nós apenas não conhecemos outras perspectivas, ainda.

Em relação aos aspectos acadêmicos, eu estudei na Hochschule Karlsruhe – Technik und Wirtschaft, que é conhecida como a Universidade de Ciências Aplicadas de Karlsruhe e, à primeira vista, não posso dizer que seria a universidade arquiteturalmente mais bonita ou esteticamente a mais charmosa. Neste quesito, tenho que admitir que a UFF nos proporciona uma das vistas mais belas que se possa imaginar. Considero imbatível… Opinião pessoal, é claro. Entretanto, foi deveras agradável poder conhecer e participar de um ambiente de ensino um pouco diferente do que estava habituada na maior parte de minha trajetória acadêmica até então.

Muito além da simples exposição de conteúdos, onde não há muito espaço para interação dos alunos, na Universidade de Karlsruhe tive o prazer de frequentar classes nas quais a participação não era apenas incentivada, mas essencial. Durante as aulas, tínhamos diversas atividades que estimulavam o constante engajamento dos alunos, de maneira que pudéssemos praticar, ao vivo, os novos conhecimentos concebidos. Isso fazia com que, não apenas a motivação em classe fosse muito maior, mas a absorção do conteúdo fundamental também. Além disso, para mim, o mais divertido foi que escolhi propositalmente cursar disciplinas que pudessem me oferecer um conhecimento mais tácito, subjetivo, interpessoal, mais diverso do que o conhecimento técnico já obtido na UFF, no meu curso (Sistemas de Informação). Por isso, optei por cursar matérias que tratassem sobre liderança, melhor gerenciamento de tempo, desenvolvimento pessoal e de carreira. Todas estas disciplinas me proporcionaram um ambiente de, não apenas exercitar o saber, mas também a reflexão e autoconhecimento, o que acabou me agregando conhecimentos de supra importância que, com certeza, carregarei comigo por toda a vida.

Além dos saberes subjetivos, também tive a oportunidade de desenvolver um projeto muito interessante, no qual construí um ChatBot para auxiliar tirando dúvidas dos estudantes internacionais. Cabe notar que, a construção deste ChatBot só foi possível graças às noções técnicas prévias, adquiridas em minha universidade de origem, somadas aos conhecimentos obtidos na universidade estrangeira, bem como observações de uma necessidade ainda não atendida dos estudantes. E, faço questão de citar este projeto, pois foi o mesmo que me serviu de inspiração para o desenvolvimento do meu projeto de conclusão de curso na própria UFF, onde resolvi replicar a ideia no Instituto de Computação, considerando as necessidades e particularidades dos estudantes do instituto.

Um outro ponto, quase ia me esquecendo, é que a questão da língua em outro país é muito curiosa. Quando cheguei à Alemanha, a universidade oferecia aos estudantes ingressantes um curso intensivo de alemão, o qual obviamente fiz questão de cursar. Foram duas semanas de intenso contato com a língua e, além disso, contato com diversos outros estudantes estrangeiros que também queriam aprendê-la. Nessa época, não foi apenas a língua alemã o que eu aprendi de mais valioso, mas também os costumes e culturas de pessoas de diversas nacionalidades, muitas das quais mantive contato e amizade mesmo depois de ter finalizado o curso.

E esse contato com estudantes estrangeiros (não apenas alemães) aconteceu durante muitas outras vezes, em encontros organizados pela própria Universidade de Karlsruhe, onde tínhamos a oportunidade de expor sobre nossos países e culturas, bem como jantares internacionais (também organizados pela universidade), onde os estudantes levavam pratos típicos de seus países.

Então, a oportunidade de poder estudar num local que propicia não apenas um ambiente para aprendizado técnico e teórico, mas também a chance de conhecer diversas pessoas e culturas, foi extremamente agregador não apenas na perspectiva acadêmica, mas também numa perspectiva pessoal.

O mais legal é que, toda essa bagagem, recém adquirida, também me foi benéfica na vida profissional, pois logo que voltei para o Brasil, me chamaram para realizar estágio em uma empresa australiana de desenvolvimento de software, em que o inglês fluente era requisito mínimo e o meu estava fresquinho devido às recentes interações estrangeiras.

Hoje, já me formei e resolvi embarcar no mestrado na UFF (o qual estou já no segundo ano) para, quem sabe, seguir na carreira acadêmica e ter a chance de, futuramente, poder instruir na UFF, universidade a qual me proporcionou tantas oportunidades e para a qual eu gostaria de poder trazer ao menos um pouquinho do que vivi lá fora. Um pouco do conhecimento e da motivação para incentivar novos alunos a também conhecerem e transformarem o mundo à sua volta.

Toda essa experiência me transformou de uma maneira que, se antes eu tinha vontade apenas de conhecer novos ares, hoje, com o que eu pude vivenciar, eu anseio mais que isso. Anseio poder ajudar na transformação do nosso país, que ainda é subdesenvolvido, para que cada vez mais pessoas possam ter mais acesso a uma qualidade de vida que ainda é privilégio de poucos.

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