Uma bagagem invisível

Ana Carolina Freitas da Silva

Graduanda em Relações Internacionais pela UFF.

Foi intercambista na Universidade de Coimbra (Portugal) em 2019.

Com quantas experiências se faz uma boa história? Apesar de não ter uma resposta certa para essa indagação, me arrisco a dizer que as experiências vivenciadas durante um intercâmbio acadêmico internacional, em todas as suas facetas, renderiam um bom livro de histórias. Acertos, erros, felicidades, risos, choro, saudade, mais choro, um pôr-do-sol sublime que te faz pensar que tudo vale a pena. Sentimentos opostos e mesmo assim simultâneos na vida daqueles que se arriscam a cruzar fronteiras e a encarar o novo sozinhos. Descoberta. Encanto. Mistério.

Quando me inscrevi para o programa de Mobilidade Acadêmica Internacional da UFF em 2018 tinha altas expectativas. Apliquei para a Universidade de Coimbra, em Portugal, uma das mais antigas universidades da Europa. Estudar por um semestre em uma das universidades mais renomadas do mundo era um sonho não mais tão distante, graças à oportunidade ofertada pela UFF. Corri para me inscrever muito em cima da hora e deu tudo errado. Isso mesmo. Na hora da inscrição faltou luz e internet e o desespero só aumentava. Corri para tentar escrever minha carta de motivação nas notas do celular, já chorando pelo medo da oportunidade perdida. Ah, a oportunidade perdida. Eu nem sabia o que me esperava mas já entendia que se perdesse, me arrependeria amargamente. Liguei para todo mundo, tentando achar alguém que pudesse formatar minha candidatura e enviá-la, várias tentativas e nada dava certo. Por fim consegui, mas faltava a assinatura do meu coordenador de curso. Fui dormir já perdendo as esperanças, porque no dia seguinte, último dia para inscrição, haveria jogo do Brasil na Copa do Mundo e não haveria aula. Eu estava em outra cidade e sabia que a única chance de conseguir finalizar minha inscrição seria conseguir a assinatura via e-mail do meu coordenador de curso NO DIA DO JOGO DO BRASIL. O não eu já tinha, por que não correr atrás do sim? Graças ao incentivo de uma amiga maravilhosa da graduação, Isabela Gonçalves, eu enviei o e-mail pedindo a assinatura do coordenador, já sabendo que as chances de consegui-la seriam muito pequenas, quase que nulas. O que me chateava ainda mais era o fato de que eu já havia me inscrito no Edital anterior e não tinha passado. Me doía ver uma oportunidade escorrer pelas minhas mãos e não poder fazer nada. Qual não foi a minha surpresa ao abrir meu e-mail no meio do dia e ver o e-mail de resposta do coordenador da graduação em Relações Internacionais, com o arquivo assinado pronto para ser enviado! Quando meses depois, peguei a lista de aprovados e vi meu nome nela, foi indescritível. Tanto esforço e dedicação sendo coroados com uma oportunidade única. O início de um sonho, nem parecia real.

O grande dia do meu embarque chegou e por maior que seja o planejamento, nada te prepara plenamente para o que está por vir. Só a chegada em Coimbra me valeu por um intercâmbio inteiro, de tanto desafio. Perda de conexão, perda de bagagem, trajeto aeroporto – metrô – trem – carro carregando toda a sua vida na bagagem. Pesado. Difícil. Mas em tudo aprendizado.

A vivência internacional te transforma em vários aspectos. Estar em um ambiente cultural novo, com pessoas novas, em uma nova dinâmica e com outras oportunidades te faz sair completamente de sua zona de conforto. Não sabemos nem por onde começar. Mesmo estando em um país com fortes laços culturais com o Brasil, como é o caso de Portugal, o desafio foi enorme. A adaptação não foi fácil. Lembro-me até hoje que costumava andar com a mochila virada para frente, como eu tinha costume de fazer no Rio de Janeiro, e todos ficavam olhando, ninguém entendia nada.

Entretanto, o desenvolvimento é enorme. É estar diante de algo que você nem sabia que admirava e, de repente, isso se torna a sua coisa favorita no mundo. A simplicidade de cada momento vale mais do que qualquer ponto turístico. Sabe aquela hora que você respira e o tempo parece que congela só para você poder apreciá-lo com mais delicadeza? É isso. Naquele momento tudo faz sentido. Tudo parece novo de novo. Você pensa: tudo valeu a pena.

A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas universidades ainda em operação no mundo, a mais antiga de Portugal e a terceira mais antiga da Europa. Fundada em 1290 por D. Dinis, sua história confunde-se com a história portuguesa. Reconhecida como Patrimônio Mundial da UNESCO desde 2013, sua importância, história e beleza na construção de uma herança material e imaterial são mundialmente conhecidas. Atualmente, localiza-se no que foi o Primeiro Palácio dos reis portugueses. Sua característica torre é sua marca registrada. De longe é possível avistar o belo complexo que a abriga, no alto da colina. Por todo lado, vê-se estudantes vestidos com uniformes tradicionais, cobertos pela famosa capa preta – que inspirou os escritos de J.K. Rowling em Harry Potter. A Biblioteca Joanina, a joia da universidade, é um deslumbre à parte. Com milhares de exemplares conservados há séculos, sua beleza e imponência são um patrimônio rico e sem igual. Tive a oportunidade de visitá-la várias vezes, uma vez que a entrada era gratuita para os estudantes da universidade.

A cidade de Coimbra é vibrante, cheia de estudantes e vida. Há sempre um recanto para explorar, um museu para conhecer, uma história a se descobrir. Localizada no centro de Portugal, essa cidade remonta aos tempos pré-romanos. Sem uma data precisa de criação, era conhecida como Aeminium pelos povos pré-romanos que a habitavam. Posteriormente foi ocupada pelo Império Romano, povos germânicos, bem como também pelos mouros. Até hoje, preserva muito de sua história antiga.

Fosse caminhando à beira do Mondego, explorando as vielas da cidade velha, subindo e descendo as intermináveis ladeiras, tudo em Coimbra era especial e tinha uma pitada de mágica e encanto, poesia e história. Ouvir o fado coimbrense aos pés da Catedral da Sé Velha, visitar as ruínas romanas subterrâneas do Museu Nacional Machado de Castro, subir as Escadas Monumentais, passar por debaixo do Aqueduto de São Sebastião, os passeios e caminhadas ao longo do Jardim Botânico da universidade, a monumental Queima das Fitas… memórias que estarão para sempre guardadas em meu coração.

Escolher a Universidade de Coimbra como destino do intercâmbio não foi uma tarefa difícil. Por ser uma universidade de excelência acadêmica reconhecida mundialmente, sua fama a precede. Ao saber que através do convênio da UFF, teria a oportunidade de estudar gratuitamente em uma das instituições mais renomadas do mundo, não tive dúvidas: a Universidade de Coimbra seria a escolhida.

Escolher a Universidade de Coimbra como destino do intercâmbio não foi uma tarefa difícil. Por ser uma universidade de excelência acadêmica reconhecida mundialmente, sua fama a precede. Ao saber que através do convênio da UFF, teria a oportunidade de estudar gratuitamente em uma das instituições mais renomadas do mundo, não tive dúvidas: a Universidade de Coimbra seria a escolhida.

Fui como aluna intercambista da UFF para estudar Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), para o primeiro semestre de 2019 (em contagem acadêmica, o segundo semestre do ano curricular de 2018-2019, uma vez que na Europa os cursos se iniciam em setembro e não em janeiro como no Brasil). Novas possibilidades, novos colegas de turma, novos desafios… tudo era novo, porém extremamente instigante.

Morar em um país diferente do seu já implica em uma grande transformação e evolução como pessoa. Entretanto, para além de meu desenvolvimento pessoal, estar em um ambiente de tamanho renome acadêmico me rendeu grandes oportunidades de crescimento em conhecimento e pesquisa. Por isso mesmo, em meu período como estudante estrangeira optei por me matricular em disciplinas que não teria a oportunidade de estudar no Brasil. Pude entender em primeira mão o estudo das Organizações Europeias pela perspectiva dos próprios europeus, estudar as diversas vertentes da Diplomacia através da troca com diplomatas portugueses de carreira, debater sobre Direitos Humanos com uma das mais renomadas professoras do ramo, conhecer um ângulo diferente de análise sobre o Plano Real e seus impactos no Brasil em uma aula de Economia Política… Em suma, foi uma oportunidade ímpar de crescimento e troca acadêmica que acrescentaram e muito à minha perspectiva de mundo.

Para além do desenvolvimento acadêmico, ter passado pela UC como estudante me possibilitou a entrada na rede Alumni da universidade, expandindo meus contatos e permitindo-me trocar experiências com outros inúmeros ex-alunos e profissionais que passaram pela mesma Instituição.

Ter tido esta oportunidade mudou minha vida e me fez crescer em tantos sentidos, que seria loucura conseguir expressar em palavras tudo que senti quando tive que voltar. Dizem que “uma vez Coimbra, pra sempre saudade” e não existe melhor definição para expressar o que significa para mim ter passado por esse lugar. Serei eternamente grata pela UFF por ter me dado essa chance, sem a qual provavelmente não teria conseguido realizar esse sonho.

Nas palavras do famoso compositor português Fernando Machado Soares:

Coimbra tem mais encanto
Na hora da despedida.
Coimbra tem mais encanto
Na hora da despedida.
Quem me dera estar contente
Enganar minha dor
Mas a saudade não mente
Se é verdadeiro o amor.

Se tem algo que aprendi com esta maravilhosa experiência foi que a gente tem que ir. Ir com medo mesmo. Só ir. Isso é coragem. Fora da zona de conforto a vida acontece. Esse foi meu maior aprendizado, a lição mais preciosa que eu aprendi. E eu não trocaria essa experiência por nada.

Os seres humanos são seres de movimento. Fomos feitos para a troca, para admirar o diferente. É um impulso natural. Trazemos dentro de nós o anseio de buscar nosso lugar no mundo e conhecer o lugar de outras pessoas também. Isso não é tarefa fácil, mas é tão humana. Não temos como escapar. Estar diante de histórias – e estórias – diferentes da minha, e pensar: quantas pessoas já passaram por aqui, quantas coisas essas paredes já viram, e eu com minha passagem estou também construindo um pouco da história desse lugar.

Somos o mundo todo. Não há limites. Reconhecemo-nos e nos entendemos com a troca com o Outro. Ah esse tal de Outro! Quem são esses cujas histórias e culturas nos encantam e nós encantamos a eles. Eu acho mágico. Essa aprendizagem é única.

Dizem que você nunca volta o mesmo. E é verdade. Só quem vive sabe. Por isso eu te aconselho, vá e descubra por si mesmo essa bagagem invisível que só aqueles que de fato a carregam pela experiência são capazes de entender!

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