Um relato de experiência na Espanha

Lafânia da Silva Mendes

Graduada em Pedagogia pela UFF.

Foi intercambista na Universidad de Cantabria (Espanha) em 2013.

Entre os anos de 2012 a 2014, me inscrevi em programas de intercâmbio oferecidos pelo Brasil e pela União Europeia, ambos exigem a proficiência em uma língua a não ser que um estudante brasileiro solicite uma bolsa para países lusófonos. O processo seletivo se dá através de inscrições que são realizadas através dos sites dos programas, os estudantes podem encontrar anúncios nas redes sociais ou no próprio site da universidade do qual estuda. Na busca por um intercâmbio, encontrei no site da Diretoria de Relações Internacionais da UFF (Universidade Federal Fluminense) um edital que oferecia uma oportunidade de estudo na Espanha. No que se refere ao segundo intercâmbio, tive referências de amigos e da própria instituição do qual havia estudado em Cantábria, sobre o programa ERASMUS, o mais conhecido entre eles, também foram realizadas várias buscas pela internet, em busca de uma bolsa de estudos financiadas pela União Europeia, encontrei alguns programas que são oferecidos para os acadêmicos da América do Sul e me inscrevi.

O processo seletivo para estas bolsas se dá on-line; o estudante que almeja uma vaga de intercâmbio, realiza sua inscrição pela internet. Para quem quer solicitar uma bolsa financiada por sua própria instituição, deve procurar, pela Diretoria de Relações Internacionais, um setor da universidade que tem o objetivo de orientar e incentivar os alunos que queiram usufruir de uma experiência internacional. Há outras modalidades de bolsa de mobilidade acadêmica, em que são financiadas por órgãos internacionais ou outras instituições, pode-se encontrar as inscrições no próprio site da instituição de fomento, ou se ela tiver convênio com a sua universidade, encontrará informações em sua própria universidade, ou então pode se inscrever na modalidade de alunos de universidade que não possuem convênio.

O segundo procedimento é a realização de um cadastro no próprio site onde se pretende solicitar a bolsa. Os documentos solicitados para todas as modalidades em geral são: duas cartas escritas pelo aluno, uma carta de apresentação e uma de motivação; uma carta de recomendação de um professor da instituição de origem, em que escreva sobre o aluno; documento de identificação do solicitante, passaporte, Currículo Vitae, histórico escolar (em geral solicitam que o histórico seja traduzido no idioma do país anfitrião) e uma declaração de matrícula se for uma bolsa de mobilidade de intercâmbio, em que popularmente chamamos de sanduíche.

Realizei todo os procedimentos necessários em minha postulação e graças ao trabalho que venho realizando desde início de meus estudos, participando de grupo de pesquisa, fui contemplada em dois programas de intercâmbio em anos distintos, o primeiro foi o programa mobilidade acadêmica, programa da Universidade Federal Fluminense e o segundo programa de mobilidade acadêmica Mundus lindo, financiado pela União Europeia. Que hoje se estende aos países da América Latina, além dos países que fazem parte da zona do euro.

O primeiro programa pelo qual fui contemplada com uma bolsa de estudos no ano de 2012, foi o “Programa de Mobilidade Acadêmica da UFF”, para estudar na Universidade de Cantábria, instituição selecionada pelo governo espanhol internacional, como campus de excelência internacional.[1] Uma Universidade Pública, fundada em 1972.

O segundo programa no qual fui contemplada a uma bolsa de estudos em março de 2014, foi o ERASMUS, para estudar na Universidade de Valladolid a segunda Universidade mais antiga da Espanha, depois de Salamanca, a mesma é do século XIII. Possui sete campi que estão distribuídos pelo estado de Castilla y León, entre as cidades de Palencia, Segovia, Soria e Valladolid.

 

Há vários programas de intercâmbio oferecidos e financiados por muitos países. Na União Europeia, o programa mais conhecido é o programa ERASMUS. O mesmo foi criado em 1987 por iniciativa da associação AEGEE Europe. As universidades conveniadas oferecem bolsas desde a modalidade de graduação a bolsas de pós-doutorado. Tem intuito de melhorar a qualidade do ensino superior entre os países e promover o diálogo e a compreensão entre povos e suas culturas e também o aprendizado de outra língua através da experiência.

As pessoas que hoje almejam a uma vaga de intercâmbio em um país estrangeiro, que não possuem como idioma oficial a língua portuguesa assim como: Moçambique, Portugal, Porto Príncipe e Angola, tendem a encontrar uma forte dificuldade para adquirir tal objetivo. Muitos dos cursos ofertados pelos programas de intercâmbio exigem que o discente seja proficiente em uma língua estrangeira. Diante do baixo número de estudantes provenientes de escolas públicas que não possuem uma segunda língua, o governo tem oferecido um curso de idiomas no país de destino dos alunos, antes de inicia- rem o período de estudos no curso. Há, porém, outras bolsas que só encaminham estudantes que possuem o certificado ou que tenham realizado um exame de proficiência em uma língua estrangeira.[2]

A relevância deste texto consiste em apresentar para a comunidade acadêmica a grande influência do intercâmbio na vida de um estudante e principalmente para uma aluna da classe popular, filha de uma lavadeira e de um pipoqueiro, assim como eu, que por questões geográficas, políticas e sociais, a universidade era um sonho inalcançável. Um intercâmbio em uma universidade, no exterior, era algo fora de cogitação! Graças às políticas voltadas para o aperfeiçoamento de estudantes, tanto na área do bacharelado quanto na área de licenciatura, que tem oportunizado a vários estudantes a estudarem por um período, em universidades no exterior, com intuito de ampliar seus conhecimentos e possibilitar o contato com outras culturas.

Na primeira semana fui recebida por uma reunião de boas-vindas. Esta reunião é essencial para orientar os alunos de forma unificada diante das questões burocráticas da primeira semana. Nesta reunião é de práxis que o intercambista ganhe um mentor, uma pessoa que geralmente fica responsável por um grupo de no máximo de cinco alunos; seu objetivo é ajudar o aluno com as documentações necessárias para realização da matrícula e de explicar de uma forma mais sutil como será sua vida naquele novo meio. Os mentores são estudantes que já participaram de algum intercâmbio internacional; falam outros idiomas, o que inclusive facilita na comunicação. Além de um mentor que cada grupo de estudantes é designado, também tem a assistência que a coordenação do projeto de intercâmbio do qual o estudante foi contemplado. Na Universidade de Cantábria, o atendimento realizado para orientar os estudantes por parte da universidade é realizado na Oficina de Relaciones Internacionales.

Todos estes procedimentos organizacionais são essenciais para manter os estudantes seguros e bem informados de tudo o que pode acontecer, até se o estudante não cumprir com seus compromissos, a universidade sabe de todo o seu trajeto e sempre busca saber se o estudante está bem.

Na Universidade de Cantábria, cursei três disciplinas “do grado” (graduação) em Magistério na Educação Infantil. As disciplinas cursadas foram: Expresión Plástica y su didáctica, Didáctica del medio Natural e Didáctica de la lengua escrita y literatura infantil. Meu turno era manhã/tarde, ou seja, havia disciplinas que eu cursava à tarde e outras pela manhã, só que não era todos os dias.

Meu horário era bem flexível, eu estudava de segunda a quinta-feira, minhas aulas eram das 8h às 12h; na terça-feira e na quarta-feira estudava de manhã e à tarde das 14:30 às 17:30. Fora as atividades extras solicitadas pelos professores, que incluiu visitas em museus, teatros e exposições, uma das coisas que considerei de extrema importância para o ensino e aprendizagem dos futuros docentes.

Na Universidade de Valladolid, cursei três disciplinas do grado em Magistério na Educação Infantil e cursei um curso de espanhol para estrangeiros do qual recebi o diploma de língua estrangeira do Instituto de Cervantes, vinculado à Universidade de Valladolid. As disciplinas cursadas na UVA foram: Infancia y habitus de vida saludable, Fundamentos y propuestas didátcicas en la expresión musical e Practicum I. O turno de estudo nesta universidade, nos dois primeiros meses, foi entre o período vespertino e noturno, porém, a partir do terceiro mês, passei a ficar praticamente o dia inteiro em função da universidade, pois desse período em diante iniciei o meu estágio em uma escola pública da cidade de Valladolid chamado: Colégio Público Pablo Picasso.

Os horários dedicados aos estudos e aos compromissos que tinha entre o curso de espanhol e a Universidade eram apertados. Eu ficava praticamente o dia todo fora. Eu estudava de segunda a sexta e minha carga horária era das 9h às 20h, segunda-feira e terça-feira com intervalo na terça de 16h às 18h. Na quarta-feira e quinta-feira entre 9h às 20h, com intervalo de 14h às 17h e, na sexta-feira, eu ficava apenas com meu compromisso no estágio que realizava durante a semana inteira, que era das 9h às 14h.

As aulas em ambas universidades eram divididas entre aulas práticas e aulas teóricas, consequentemente a semana de estudos era dividida dessa maneira. Primeiro tínhamos aulas teóricas e depois as aulas práticas, com objetivo de aprendermos a aplicar aquilo que havíamos aprendido e também para que pudéssemos visualizar o que estava sendo ensinado. Na disciplina de Didáctica del medio Natural, eu tinha aula no laboratório de ciências destinado aos estudantes de licenciatura. Na Didática de la lengua escrita y literatura infantil, não havia um laboratório em si para as aulas, porém estudávamos para além das paredes da universidade, pois as aulas práticas desta disciplina eram realizadas em bibliotecas, teatros e em exposições de arte, tudo para que nós, como futuros professores, pudéssemos se apropriar dessas práticas e posteriormente introduzir estes itinerários na medida do possível em nosso trabalho cotidiano. Quanto mais se acerca da realidade, mais se vê sentido nas coisas e desta forma a criança aprende.

Não apresentarei em detalhes como foram minhas aulas, pois necessitaria de outro trabalho como este, porém destacarei outras duas disciplinas nas quais as salas eram um laboratório e que ali aprendi a teoria e a prática simultaneamente, as disciplinas foram: Expresión Plástica y su didáctica e Fundamentos y propuestas didácticas en la expresión musical.

Uma viagem, tantas experiências. Experiências formativas, emotivas e íntimas. Experiências que devem ser compartilhadas para que atravessem também a formação do outro. A partir daqui mergulho em minha viagem, destacando alguns pontos que merecem ser citados e narrados. Conheci, em Santander, o Centro de Educación Infantil y Primaria Dionísio Garcia Barredo, Centro de Enseñanza Dr. Fernando Arce e Colegio Público Vital Alsar. Estas três escolas foram visitadas no meu primeiro intercâmbio. No segundo intercâmbio, na cidade de Valladolid, eu consegui participar de um estágio supervisionado pela universidade, por três meses e meio no Colegio Público Pablo Picasso, uma escola bilíngue. Em todas as escolas, buscava a diferença e encontrei tamanha semelhança com as escolas brasileiras, o que vivenciei naqueles espaços de aprendizagem foi muito intenso.

Dentre todas as escolas que visitei, a que mais tenho a falar foi sobre o CEIP Pablo Picasso (Colegio de Educación Infantil Primaria Pablo Picasso), escola escolhida por mim com o auxílio da universidade para a realização do período de estágio e que está localizado em um dos maiores bairros de Valladolid, em Delicias.

As universidades da Espanha tratam o estágio supervisionado como uma etapa importante para a formação do aluno. Por isso os alunos que estão regularmente matriculados, em um curso de licenciatura, e que não necessitem cursar disciplinas isoladas, quando estão no período de estágio, são beneficiados, pois nos meses de estágio não tem aula na universidade. Em razão disso, é exigido que o aluno esteja na escola todos os dias durante os meses de estágio, o qual é participativo.

Durante os meses de estágio, é exigido que os alunos frequentem as tutorias uma vez a cada quinze dias para expor suas dificuldades diante dos problemas enfrentados na escola e para discutirem sobre a escrita do relatório, que é a segunda nota depois da nota da professora onde o aluno estagiou. A professora da escola tem a responsabilidade de passar, para a pessoa responsável da universidade, as presenças do aluno.

Cheguei ao Colegio Pablo Picasso, para o meu primeiro dia de estágio, muito ansiosa, o diretor da escola havia organizado uma espécie de reunião de boas vindas para receber os novos estagiários da escola. O objetivo do encontro era tratar de assuntos referentes ao funcionamento da escola, sobre a infraestrutura e para designar as turmas que iríamos trabalhar com nossos tutores. Destacou também os distintos laboratórios que existem na escola, onde desenvolvem muitos trabalhos com os alunos.

Após a orientação, realizada na sala de reuniões, o diretor nos convidou para conhecer o colégio. Realizou um tour pela escola, em que nos foi apresentando os três edifícios independentes e o ginásio poliesportivo. Os três edifícios se dividem em edifício principal destinado para a educação fundamental e para administração da escola, edifício de educação infantil norte, destinado para as turmas de dois a três anos e o edifício de educação infantil sul, destinado para as crianças de quatro anos. Ao fim de tudo, o diretor me direcionou para o último prédio, o edifício de educação infantil sul, para que eu conhecesse minha tutora e a turma. Abaixo relato o cotidiano dos alunos de quatro anos na escola, observado durante o período previsto de três meses e meio.

Os alunos da turma de quatro anos chegam à escola na companhia de seus pais. O horário da entrada na escola é às 9 horas, quando faltavam uns 15 min, começavam a chegar e lentamente se formava uma fila. As crianças entravam para a fila e seus pais ficavam nas proximidades conversando com outras pessoas.

Ao entrarem no edifício, ainda em fila, as crianças tiram seus casacos e guardam suas mochilas do lado de fora da sala, em uma espécie de cabide e em seguida vão para sala e seguiam uma rotina bem prática, simples que eu nunca tinha visto nada igual.

Nas idas e vindas, nos passeios pela sala para pegar uma única cor, as crianças continuavam aprendendo com o movimento, já que as cores ficavam longe da mesa e tinham que andar sempre. No caminho entre a mesa e o quadro negro, onde a cadeira com as cores estavam, muitas coisas aconteciam: uns paravam perto do quadro e ficavam observando a sala, outros paravam pela sala para conversar com a criança da outra mesa, já que sentam em grupo. Neste momento, foi possível perceber que as crianças se mostraram muito solidárias. Depois de conversar e compartilhar uns com os outros as cores, elas retornavam aos seus lugares de origem e era este movimento que faziam para pegar cada cor diferente.

A segunda coisa que fazem, quando estão em sala de aula, depois do momento de distração, é o momento da massagem. Ao sinal da professora que diz: “Vamos guardar as coisas!” (e balança o chocalho), e pede para que as crianças busquem por um amigo com o qual gostariam de estar neste momento. Todos que estavam em seu momento agora paravam para ouvir a professora, guardavam os materiais em seus armários. Alguns falam que não terminaram de desenhar e de ler, então dizíamos aos alunos que não teria problema que no dia seguinte poderiam terminar de fazer com tranquilidade, nada de pressa, que não tinha problema. Com estas palavras, as crianças entendem que quanto mais tempo tiverem para fazer as coisas sem pressa, mais bonitas elas ficam. E a professora afirma que tudo deve ser feito com tranquilidade.

A terceira é a massagem. As crianças escolhem um amigo para compartilharem o momento que é orientado pela professora; sentam-se no chão e colocam a cabeça do amigo sobre o seu colo e começam a massagear com movimentos circulares pelo rosto e no cabelo. Alguns alunos demoravam entrar na dinâmica da rotina da aula, mesmo fazendo essa dinâmica todos os dias, havia aqueles que sempre queriam ficar sozinhos, mas a professora sempre conversava com eles, e no final, tudo se resolvia.

Após a massagem, organizam-se em círculo para cumprimentar uns aos outros, cantando uma música de saudação e cumprimento de “bom dia” em vários idiomas. Depois, costumavam fazer uma roda para cantar uma cantiga, para minha surpresa a brincadeira de roda que eles cantavam era o “Samba lelé”, na versão em espanhol. Sempre era inserida, a cada bimestre, uma cantiga de roda. A quarta coisa que fazem é a organização da assembleia, os alunos formam um semicírculo de cadeiras na sala. O protagonista do dia recita uma poesia dos dias da semana, escrevia o dia da semana no quadro com a ajuda dos amigos e da professora. Dava bom dia a todos os colegas da turma com um aperto de mão e depois realizava a contagem de quantos alunos tinha na sala novamente com o aperto de mão. Todos ajudavam na contagem falando junto, parecia até um coral. O aluno protagonista registrava todos os dados no quadro com o auxílio da professora que também o orientava a realizar uma pequena operação, por exemplo, se no dia anterior foi 27 o próximo dia seria 28, somava-se mais um.

Havia uma outra atividade em que a professora fazia, posterior à citada acima, em que dedicava a trabalhar com a Matemática. A outra atividade estava direcionada para o ensino da leitura e da escrita. Todos os alunos participavam, a professora distribuía para as crianças uma letra do alfabeto que estava em um cartão, enquanto o protagonista montava o seu nome no chão. Depois de distribuir as letras, a professora perguntava quais palavras poderiam surgir a partir do nome do amigo, as crianças ficavam animadas e começavam a falar todas juntas enquanto o nome estava exposto no chão da sala. Só que tinha uma ordem para falar, então a professora pedia que levantas- sem as mãos. O nome que estava exposto no chão era Sérgio, sendo assim, uma criança levantou a mão e disse: “eu sei, eu sei!” E disse a palavra “serpente” e assim foi se fazendo a pergunta sucessivamente sobre quais seriam as próximas letras para terminarem de escrever a primeira palavra citada, a criança que teria a próxima letra poderia se levantar para completar o primeiro nome que surgiu através da primeira letra do nome Sérgio. Quando terminava a assembleia que durava mais ou menos uns 20 minutos, as crianças eram autorizadas a pegar os brinquedos, depois deste tempo iam para o recreio. Na volta do recreio, o tempo era destinado para o lanche. Chegando no edifício sul, do lado de fora da sua sala, pegavam as suas mochilas e o jogo americano e sentavam em seus devidos lugares para comer, depois realizavam o mesmo processo ao terminar. Após o lanche matinal, cada um pegava as pequenas esteiras de yoga e as colocavam sobre chão, em seguida iam até o armário que ficava no fundo da sala e pegavam seus cobertores. Cada criança tinha o seu, em seguida deitavam-se para descansar ao som de uma melodia da natureza, alguns pegavam no sono e dormiam, outros apenas permaneciam em silêncio e ficavam com os olhinhos bem abertos; enquanto a professora caminhava entre eles e os cobria e neste deslocamento que realizava ia acariciando o rostinho de um por um e eu fazia a mesma coisa, os cobria lentamente e segurava o rostinho deles tapando suas orelhas.

Ao som do chocalho após os 20 minutos de descanso, o instrumento sinaliza que era hora de levantar, porém havia crianças que permaneciam dormindo, era muito raro mas algumas adormeciam, sendo assim não era permitido despertá-las. As crianças que ficavam despertas, que era a grande maioria, levantavam, guardavam as esteiras de yoga e dobravam seus cobertores com a ajuda de outra criança, a professora sempre estava por perto os auxiliando, sempre os ensinando a cuidar das suas coisas e a serem organizados na medida do possível. Eu adorei tudo aquilo que vi, uma prática diferente, porque desde pequenos as crianças são ensinadas a organizar seu espaço.

Ao final da aula, havia um momento em que as crianças faziam yoga, realizavam exercícios de respiração e alongamento para o corpo, tudo sobre a orientação da professora, logo em seguida permaneciam em círculo sentados e havia o minuto do amor, instante no qual as crianças escolhiam um amigo para abraçar e dizer uma palavra bonita para o outro.

Realizavam uma atividade da apostila da escola, antes da hora da saída, e às 14h iam para casa. Com relação ao trabalho da professora, foi possível constatar que ela cria projetos para serem desenvolvidos com os alunos, também insiste na criação de bons hábitos, para melhorar a convivência entre os pequenos.

A professora sinalizou em uma de nossas conversas que possuía duas formações que a habilitavam a trabalhar de forma dinâmica e diferenciada. Ela tinha formação em Educação Física e Psicopedagogia, por isso que suas aulas eram centradas no corpo e nas emoções. Também destacou que estar bem emocionalmente é um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento da criança; porque se as crianças estiverem cansadas, tristes ou com sono, não vão conseguir concentrar-se e com isso terão dificuldades no aprendizado. Ela é uma pesquisadora da sua prática, também fazia parte de um grupo de estudos sobre educação emocional em Palência, um município de Valladolid; grupo em que partilhava suas experiências realizadas em sala de aula.

Escrevi este texto, que fez parte do meu trabalho de conclusão de curso, com intuito de oferecer para todos aqueles que expressarem o interesse em conhecer sobre o intercâmbio. Pois, o mesmo fato que havia acontecido comigo, quando tive o interesse em saber como todo esse processo funcionava, e que pelo qual, por muitas vezes chorei, por não saber a quem recorrer, por ser a primeira do meu polo (UFF – INFES) a participar desse processo. Como citado neste texto, a Espanha foi um lugar de aprendizagens e de concretização de sonhos e que, apesar das dificuldades, consegui reverter tudo que me aconteceu para melhor. O primeiro ponto que destaco para quem quer viver uma experiência como esta é: não ter medo de que lhe aconteça algo de mau. O segundo ponto é sempre manter contato com a família, pois é sempre bom conversar com quem nos ama e que acima de tudo acredita em nós. Eu, além do apoio da minha família, tive o apoio da minha orientadora Mitsi Pinheiro que sempre estava on-line no momento em que eu mais precisava conversar. Quando completa dois meses em um país estrangeiro, você sente falta de casa, principalmente das pessoas e é neste momento que se dá conta de que está longe de casa e que o período de novidade passou. As amizades constituídas no intercâmbio, seja com pessoas da turma, do mesmo país que o seu ou com pessoas com quem dividia o apartamento, ter alguém para sair e conversar era muito bom, acalmava “o espírito”. Foi assim que sobrevivi buscando sempre estar ao lado de quem pu- desse me fazer bem e assim não me sentia sozinha.

As mudanças que ocorreram em mim como pessoa me afetaram quando voltei para o Brasil, pois aquela moça do interior que entrou na universidade a fim de construir uma nova história para ela e sua família, que tanto lutou para que chegasse onde chegou, havia voltado com a certeza de que sua busca pelo conhecimento não havia terminado e que ainda teria muito que aprender. Com relação à cidade e às pessoas, eu as via como se nada tivesse passado na vida delas, visto que o que vivi foi muito intenso, foi uma experiência para quem nunca tinha viajado para tão longe sozinha e que havia crescido em tão pouco tempo devido às circunstâncias. Voltar para casa, para seus amigos, para sua família, enfim, para tudo que é seu, não tem preço, apesar de tudo que aprendi e dos melhores lugares por onde andei, vejo que o sentimento de pertencimento e de fazer do lugar onde vivo em um lugar melhor através de meus ensinamentos e das minhas atitudes.

Notas

[1] Campus de excelência internacional é um programa do governo da Espanha, que visa a modernização e a qualificação do ensino acadêmico, as universidades contempladas ganham um financiamento do governo. Este programa é similar ao nosso ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes).

[2] Como exemplo destes exames de proficiência apresentam-se: International English Language Testing System (IELTS) e Test of English as a Foreign Language (TOEFL), ambos são exames de teste de proficiência, que tem o objetivo de avaliar o inglês em nível acadêmico do estudante. É requerido para a maior parte dos futuros intercambistas que almejam uma vaga em universidades de países em que o inglês é a primeira língua. no que se refere à língua espanhola temos: Certificado de Español de Lengua y Uso (CELU) e Diploma de Español como Lengua Extranjera (DELE).

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