Estudar em Tübingen: um relato de intercâmbio na Alemanha

Rafael de Azevedo Bianco
Graduando em Filosofia pela UFF. Foi intercambista na
Eberhard Karls Universität Tübingen (Alemanha) em 2017.

Introdução

O presente relato tem como objetivo apresentar brevemente como é a vida de um estudante universitário na cidade de Tübingen, mostrando seus pontos mais relevantes e peculiaridades. Para tanto, tomo como base as experiências que vivenciei e as informações que obtive durante o período em que lá estudei como intercambista da graduação em Filosofia. Isso ocorreu no semestre de inverno da universidade alemã que se estendeu de outubro de 2017 a fevereiro de 2018, por intermédio do programa de mobilidade internacional da Universidade Federal Fluminense (UFF).

No primeiro tópico, apresento dados gerais a respeito da cidade e, no segundo, informações sobre as semelhanças e diferenças que encontrei na Universidade de Tübingen em relação à UFF e ao que temos em geral no Brasil. Para concluir, tendo como inspiração a experiência aqui relatada, faço uma breve reflexão acerca da educação em nosso país.

A cidade de Tübingen

Tübingen é uma pequena cidade localizada no estado de Baden-Württemberg, Sudoeste da Alemanha, cuja origem remonta ao século XI. Fica às margens do rio Neckar, a 40 quilômetros de Stuttgart. É considerada uma cidade universitária, pois são estudantes cerca de um terço de seus quase 90 mil habitantes.

O dia a dia em Tübingen é tranquilo como as águas do Neckar, completamente livre de violência e caos urbano. Boa parte do centro da cidade é um calçadão, que fica tomado durante o dia pelo vai e vem de estudantes, trabalhadores e turistas. Um cenário de construções medievais muito bem conservadas, com uma atmosfera jovial e cosmopolita. A cidade conta com inúmeros cafés, pubs e restaurantes, além de lindas áreas arborizadas ótimas para fazer caminhadas. Ademais, ir de um lugar a outro da cidade pelas ruelas por onde andaram filósofos, poetas e escritores como Hegel, Hölderlin, Goethe e Hermann Hesse é uma emoção à parte.

Em Tübingen, muita gente se locomove a pé ou de bicicleta, pois nada fica muito distante. A cidade possui um ótimo sistema de transporte público realizado por ônibus. E, para ir a outras cidades, existe uma estação de trem e uma pequena rodoviária próximas ao centro. O aeroporto internacional mais próximo fica em Stuttgart, distante uma hora de ônibus.

Existem moradias estudantis por toda a cidade. Ficar na área central é bom, porque é onde estão os principais prédios da universidade e os pontos turísticos da cidade. No entanto, ficar longe do centro também é uma boa opção, pois os aluguéis são mais baratos e, em poucos minutos, pode-se chegar de ônibus onde quiser. Além disso, existem bancos, padarias, supermercados e lanchonetes muito bem distribuídos pela cidade. Assim, se tem acesso andando a tudo que é necessário no dia a dia.

Fiquei hospedado em um bairro chamado Waldhäuser-Ost, conhecido por todos como WHO. Apesar de ser um dos bairros mais afastados do centro, achei uma ótima escolha, pois além de todas as facilidades que acabei de listar, o bairro ainda conta com uma espécie de vila de estudantes. São vários prédios onde só moram universitários, o que lhe torna vizinho de boa parte de seus amigos e conhecidos.

Nesse breve panorama, acho que já foi possível ao leitor ter uma noção razoável do que é a cidade e das experiências que ela pode proporcionar. Vamos agora abordar de maneira mais detalhada os estudos e a vivência na universidade.

A universidade

A Eberhard Karls Universität Tübingen é uma das mais conhecidas e antigas universidades alemãs. Foi fundada em 1477 pelo Conde Eberhard V e, regularmente, aparece ranqueada entre as melhores universidades daquele país. Entre seus pesquisadores e antigos alunos estão onze ganhadores do prêmio Nobel.

A primeira coisa que me chamou a atenção na Universidade de Tübingen foi o fato de não ficar concentrada em um único campus. Assim como a UFF em Niterói, a universidade tem seus diversos prédios administrativos, salas de aula, bibliotecas, bandejões, laboratórios de pesquisa etc. espalhados por grande parte da cidade. Durante o período letivo, os alunos enchem as ruas indo de um prédio a outro.

As disciplinas dos cursos são divididas em quatro níveis principais: vorlesung, proseminar, hauptseminar e oberseminar. Vorlesung são disciplinas semelhantes às que costumamos ter no Brasil, com turmas com muitos alunos (podendo chegar a sessenta) e o professor apresentando e explicando a matéria em frente a turma, uma espécie de palestra. Os alunos podem, caso queiram, fazer perguntas durante a aula. A avaliação consiste, normalmente, em uma prova feita em sala ao final do curso.

As disciplinas que podem causar mais estranhamento ao estudante brasileiro são as chamadas “seminário” (seminar em alemão). Nelas, as turmas são bem reduzidas e a participação ativa é obrigatória. O aluno deve estar sempre preparado para interagir com os demais em discussões e para responder a questionamentos do professor que ocorrem durante a aula. Como forma de avaliação, em geral, devem ser escritos dois artigos e feita alguma apresentação em sala.

Sala de aula de disciplinas vorlesung

Sala de aula de disciplinas seminar

Como mostrado, existem três níveis de disciplina “seminário”: proseminar, hauptseminar e oberseminar. A principal diferença entre elas está apenas no grau de exigência. A proseminar é voltada para alunos do primeiro e segundo anos; a hauptseminar, para alunos de mestrado e que estão no final do curso de graduação e a oberseminar, para mestrandos e doutorandos. Contudo, isso são sugestões/indicações, há liberdade para se inscrever na disciplina que desejar. Um aluno que está no início da graduação, por exemplo, pode se inscrever numa hauptseminar.

As disciplinas do tipo “seminário” parecem ser as mais adequadas ao processo de ensino e aprendizagem devido aos debates que nelas ocorrem com a participação ativa dos alunos. No entanto, vale ressaltar, exigem dos alunos uma grande dedicação dentro e fora de sala. São fundamentais longas horas de estudo individual. Porém, caso alguém queira escapar dos seminários e se inscrever apenas em vorlesung, não terá êxito, pois são oferecidas poucas disciplinas desse tipo. Para se formar, o aluno vai obrigatoriamente ter que cursar muitos seminários.

Considero muito interessante essa segmentação das disciplinas em níveis. Dessa forma, ficamos sabendo previamente qual será o grau de exigência do professor. Na UFF, para saber como o que será exigido em uma disciplina, é necessário ter um conhecimento anterior do docente, o que nem sempre é possível; e o método de trabalho pode variar totalmente de um professor para outro mesmo que o conteúdo seja semelhante. Com isso, às vezes, fazemos a inscrição no início do semestre sem saber se teremos provas ou trabalhos, quantos de cada um teremos, se serão feitos em sala ou em casa, se a nossa participação em sala será objeto de avaliação ou não, qual será o nível de exigência do professor na correção etc. Essas indefinições que temos na UFF dificultam as escolhas das disciplinas no momento da inscrição e acabam levando a cancelamentos de disciplinas por parte dos alunos pouco após o início do período letivo.

O processo de inscrição em disciplinas é outra peculiaridade que observei na Universidade de Tübingen. Em algumas disciplinas, a inscrição é feita pelo sistema on-line da universidade de forma semelhante à que ocorre na UFF. Contudo, em outras, é preciso enviar um e-mail ao professor e, nas demais, não é necessário inscrever-se, basta acompanhar as aulas e fazer as avaliações. Com isso, nesse último caso, o aluno tem a liberdade de escolher não fazer as avaliações de uma determinada disciplina sem correr o risco de ficar com uma reprovação e nota zero registradas em seu histórico escolar; a participação do aluno na disciplina só ficará registrada em seu histórico caso ele faça as avaliações.

O prazo de entrega de trabalhos também é uma diferença interessante. Em Tübingen, os alunos podem entregar alguns trabalhos até o último dia antes do início do semestre seguinte. Ou seja, eles têm as férias inteiras para escrevê-los. Se, por um lado, ganham um tempo precioso para a realização das tarefas, por outro, perdem os dias de férias que poderiam dedicar ao descanso, lazer e viagens. Muitos deles, após um semestre de grande dedicação, optam por continuar os estudos durante as férias. Fiquei surpreso ao encontrar a biblioteca da universidade lotada pouco antes do início do semestre letivo, muitas pessoas terminando seus trabalhos até os últimos dias de férias.

Além disso, a carga horária das disciplinas e o sistema de notas também são diferentes. Enquanto na UFF o tempo de aula costuma ser de quatro horas por semana, na Universidade de Tübingen é de apenas duas horas. Assim, os alunos têm mais tempo para se dedicar ao estudo individual e à realização de tarefas. E as notas seguem a escala alemã, que vai de 1 a 6. A nota 1 é equivalente ao nosso 10 e a nota 6 seria o nosso zero. Portanto, receber uma nota 1 é motivo de alegria na Alemanha, já no Brasil…

Ademais, são oferecidas diversas disciplinas de língua alemã para alunos estrangeiros. São disciplinas de diferentes níveis e propostas, algumas mais voltadas para leitura, outras para conversação e outras ainda que incluem questões culturais. Existem também disciplinas de ensino semi-intensivo (nove horas semanais). Todas são gratuitas; algumas só cobram uma taxa no momento da inscrição referente ao material didático oferecido. Existem também cursos intensivos de alemão que são oferecidos antes do início do semestre, com aulas e atividades culturais todos os dias, mas que custam algumas centenas de euros. Valem muito a pena para quem tiver disponibilidade de tempo e dinheiro.

Por falar em tempo, caso esteja indo como intercambista para a Universidade de Tübingen, é recomendável chegar na cidade com cerca de um mês de antecedência. Isso porque existem diversas etapas que devem ser cumpridas para ser efetivamente matriculado na universidade. Todos os procedimentos feitos e documentos entregues na UFF, antes da saída do Brasil, correspondem apenas à etapa inicial. Ao chegar em Tübingen, é necessário entregar documentos em diferentes escritórios da universidade para dar início a uma nova etapa. E isso leva algum tempo para ser finalizado, por mais pressa que se tenha. Tem que esperar o processamento burocrático dos documentos que entregou e, em alguns casos, o recebimento de cartas em sua residência para que possa dar prosseguimento ao processo. Eles têm o costume de trabalhar com cartas. E cada escritório tem horários e dias específicos de funcionamento, não segue o bom e velho “horário comercial”. Está entre as etapas a serem cumpridas: obter a carteirinha da universidade, obter a senha pessoal de acesso ao sistema on-line da universidade, adquirir um e-mail da universidade, fazer o pagamento da contribuição semestral, escolher as disciplinas e inscrever-se nelas.

A essas etapas da burocracia universitária somam-se outras etapas que se deve cumprir como novo morador da cidade e que, também, levam alguns dias para serem realizadas. Entre elas: solicitar na prefeitura visto de residente, abrir conta em um banco, adquirir o tíquete semestral para andar de ônibus, fazer validação do seu plano de saúde (ou adquirir um novo), resolver pendências da sua nova moradia. Além de serem processos que podem demorar, existe a dificuldade inerente de se estar sozinho em um lugar completamente novo, regido por regras diferentes das quais se está habituado. Portanto, não é bom chegar em Tübingen faltando poucos dias para o início do semestre. Caso contrário, será necessário dividir sua atenção entre resolver tudo isso e estudar para as disciplinas que estiver cursando.

A universidade atrai estudantes do mundo todo, não só intercambistas, mas também pessoas que vão para lá estudar como alunos regulares. Desse modo, tive a oportunidade de conviver e compartilhar conhecimentos com estudantes dos mais diferentes países, além dos próprios alemães. Só para dar alguns exemplos: dividi moradia com pessoas da China e da Índia; nas aulas de Língua Alemã, fiz diversos amigos dos EUA e Canadá; entre os estudantes de Filosofia, tive um contato mais próximo com gente da Turquia, Romênia, Rússia e Polônia.

Embora tenha encontrado inúmeras diferenças entre o que temos no Brasil e o que observei durante essa minha experiência de intercâmbio, uma das coisas que mais me chamaram a atenção foram as semelhanças surpreendentes entre os estudantes dos mais diferentes países do mundo. Apesar de todas as diferenças socioculturais que possam existir, quando se trata da vida acadêmica, somos muito parecidos em diversos aspectos. Para mim, foi muito importante observar, por exemplo, que as questões e os conteúdos que permeiam a vida de um estudante de Filosofia no Brasil não são diferentes daqueles encarados por um estudante de Filosofia da Turquia, da Romênia ou da Alemanha.

Por fim, gostaria de destacar ainda a incrível infraestrutura que encontrei na Universidade de Tübingen. Há prédios de arquitetura moderna assim como construções de séculos atrás — inclusive um castelo —, que abrigam ótimas salas de aula, laboratórios, bibliotecas, bandejões e auditórios, todos em excelente estado de limpeza e conservação. Porém, o que chamou mais a minha atenção foi a biblioteca principal com seus incontáveis espaços de estudo e um acervo de mais de três milhões de livros. Consegue deixar perdido qualquer visitante.

Considerações finais

Estudar em Tübingen é uma experiência extraordinária e que traz muitas lições para além da sala de aula. As universidades alemãs, de maneira geral, costumam ficar muito à frente das brasileiras nos rankings internacionais, estando posicionadas entre as melhores do mundo. Acredito que essa diferença não ocorra por questões estritamente pedagógicas, mas pela infraestrutura oferecida e pela sociedade na qual o estudante está inserido. Temos professores muito bons e alunos dedicados no Brasil. No entanto, há diversos problemas que estão além do controle da comunidade acadêmica e que prejudicam o avanço das universidades brasileiras. São questões, principalmente, de ordem política, que envolvem a valorização da educação pública desde o nível mais básico até o superior e a construção de uma sociedade mais justa.

Favorece muito o estudo em nível superior, quando o aluno recebe uma excelente formação básica na escola, quando chega à universidade sabendo bem ao menos uma língua estrangeira, quando tem à sua disposição as melhores instalações destinadas ao estudo, alimentação, lazer e higiene, quando tem acesso a laboratórios muito bem equipados, quando não precisa perder horas no trânsito, quando pode ir e voltar da universidade sem medo de assalto, quando pode ir à universidade levando seu notebook sem medo de ser roubado, quando tem bibliotecas com grandes acervos à sua disposição nos finais de semana… E são exatamente essas condições que a sociedade alemã oferece a seus estudantes e que precisamos estabelecer no Brasil para que, um dia, possamos alcançar um nível de excelência semelhante ao dos melhores sistemas educacionais do mundo.

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