Escalas de vivências: do local ao global

Marcelo Costa

Graduado em Geografia pela UFF.

Foi intercambista na Universidade de Évora (Portugal) em 2019.

A experiência de viver um intercâmbio é o sonho de muitos estudantes, seja de alunos da graduação, do ensino médio, ou de outras formações. Isso ocorre pois a mobilidade internacional proporciona um grande aporte de vivências pessoais e profissionais que cobiçam os estudantes, e comigo não foi diferente.

Nasci no interior do estado do Rio de Janeiro, na cidade de Rio Claro, onde moro até hoje. Por morar em uma cidade com grande influência local, sempre tive comigo que a educação em cidades pequenas não possibilitava um ensino culturalmente diverso e o intercâmbio sempre foi uma experiência almejada para meu desenvolvimento pessoal e profissional, principalmente pelo fato de ser Licenciado em Geografia (pela Universidade Federal Fluminense) e poder aumentar minhas experiências culturais, das diversas viagens e trabalhos de campo que poderiam acontecer durante o intercâmbio.

Quando aprovado com bolsa para estudar na Universidade de Évora em Portugal, me planejei para aproveitar ao máximo as experiências dentro e fora da universidade. E foi no dia 09 de fevereiro de 2019 que embarquei no Rio de Janeiro com destino a Lisboa, quando tudo realmente começou.

Principais desafios

Geralmente quando pensamos em intercâmbio, logo imaginamos as dificuldades na comunicação e diferenças culturais, que influenciam de forma considerável nas relações cotidianas, dentro e fora da universidade. Quando optei por Portugal, que tem a língua portuguesa como idioma oficial, imaginei que os desafios nestes âmbitos seriam menores, mas estava enganado. Mesmo falando o mesmo idioma, existe uma grande variação das palavras e na forma de suas conjugações, além dos sotaques regionais, que também apresentam grandes variações, dificultando muito o entendimento no início.

Outro aspecto importante que merece ser mencionado, são as relações interpessoais com os portugueses, que não se mostram tão receptivos e comunicativos como estamos acostumados no Brasil. Assim, nas primeiras semanas houve uma dificuldade bem grande de entrosamento com os alunos portugueses, mas que com o tempo foi se modificando, principalmente com o desenvolvimento das atividades acadêmicas que demandavam maior contato e debate em sala de aula.

Além da questão linguística e das relações sociais, a questão financeira também foi um grande desafio para a minha permanência e manutenção em Portugal. Isso se deu ao elevado valor do euro em relação ao real, que torna o custo de vida bem mais caro que no Brasil. Como aluno em mobilidade bolsista, minha família não disponibilizava de muita verba para auxiliar, mas com a ajuda de familiares, colegas e professores foi possível vivenciar o intercâmbio nos seus diversos âmbitos.

Aperfeiçoamento acadêmico

Se tratando das experiências acadêmicas, acho importante compartilhar que as disciplinas escolhidas não eram equivalentes com nenhuma ofertada pela UFF – Instituto de Educação de Angra dos Reis, justamente com o objetivo de ter uma experiência rica e única, a fim de contribuir para meu currículo. Assim, cursei na Universidade de Évora: Geografia Social e Cultural, Fotointerpretação, Demografia, Planejamento de Recursos Turísticos.

Além do uso de textos internacionais como anteriormente citado, os professores geralmente têm parte da formação em outros países, já que por estarem localizados dentro da União Europeia, existe uma maior facilidade de intercâmbio e formação fora do próprio país, contribuindo para uma educação mais global.

Dentro da sala de aula foi possível perceber e dialogar com colegas e professores as diferenças do curso de Geografia no Brasil e em Portugal, como a estrutura curricular, que em Portugal as disciplinas são mais concentradas em vez de fragmentadas, como no Brasil. O processo avaliativo foi outro aspecto importante observado, com es- tilo de avaliação mais tradicional, sendo comum o uso de provas objetivas como ferramenta de avaliação, geralmente ocorrendo em uma semana destinada às provas de todas as disciplinas. O uso desses métodos tradicionais de avaliação contribuiu para comparação dos dois sistemas de ensino, no qual o Brasil se mostra bem avançado quando considerado as discussões sobre ensino e métodos avaliativos.

A percepção dessas diferenças acadêmicas nas questões curriculares e avaliativas, me permitiu comparar os dois sistemas de ensino e aproveitar os pontos positivos de ambos os sistemas para minha formação docente, como a maior integração das áreas da ciência geográfica no ensino de português, que promove um ensino e compreensão da natureza como um sistema integrado; e o processo avaliativo brasileiro com aspectos de avaliações mais amplos, considerando as diversas potencialidades do aluno.

Durante esse período na Universidade de Évora, foi possível aprimorar meu olhar geográfico a partir das análises de imagens de satélite com uso de estereoscópio de mesa na disciplina de Fotointerpretação, que mesmo sendo uma técnica mais tradicional, que acabou sendo substituída pelas novas técnicas de geoprocessamento, foi fundamental para melhorar minhas leituras de imagens de satélites.

A geografia quantitativa, através da disciplina Demografia, trouxe grandes contribuições com um viés de análise prática dos dados populacionais de diversos países do mundo. Já a disciplina de Planejamento de Recursos Turísticos contribuiu para meu tema de monografia no Brasil, no qual estudei sobre os resíduos sólidos em ambiente de praia em Angra dos Reis – RJ, local com grande fluxo turístico.

Outras duas experiências marcantes, que promoveram vivências acadêmicas importantes, foram os trabalhos de campo. O primeiro trabalho de campo realizado foi da disciplina Geografia Social e Cultural, onde tivemos a oportunidade de visitar a Aldeia da Luz no Concelho de Mourão-PT, no qual teve grande parte da vila deslocada para a criação de um reservatório de água. Para isso, foi criada uma nova aldeia que buscasse ao máximo se aproximar das características da antiga. Esse trabalho de campo foi muito enriquecedor, principalmente pelo fato de no Brasil, morar próximo à cidade de São João Marcos, que também sofreu com essa necessidade de ser desocupada para servir de reservatório de água, mas o desfecho da história foi diferente, já que em São João Marcos não houve a preocupação de recriar o bairro com as características semelhantes a fim de preservar a história e cultura da população.

O segundo trabalho de campo foi realizado com todas as turmas de Geografia, com destino ao Rio Douro, percorrendo Portugal e Espanha, discutindo questões de geografia física, social, cultural e econômica em uma mesma área de estudo. Este trabalho de campo foi fundamental para aumentar meus conhecimentos do território português, suas características geomorfológicas, geológicas, econômicas e sociais, estando sempre relacionado à presença do Rio Douro e sua influência no desenvolvimento da sociedade.

Para além das contribuições de conhecimentos geográficos, os trabalhos de campo possibilitaram maior contato com os portugueses e sua cultura. O campo que percorreu o Rio Douro por Portugal e Espanha teve duração de um fim de semana. Nesse período, ocorreram diversos momentos de descontração com alunos e professores, discussão das diferenças culturais de alimentação e músicas tradicionais, estreitando ainda mais as relações e contribuições dessa experiência de intercâmbio.

Imersão em diferentes culturas e línguas

Além de ter o contato com a cultura portuguesa diariamente, dentro da universidade havia alunos de diferentes origens (Turquia, Espanha, República Tcheca, e outros), que encontrávamos em eventos realizados pela Erasmus Student Network (ESN – Organização estudantil) a fim de promover o contato das diferentes culturas, línguas, hábitos, como: noite de conversas, noite de jogos, noite de jantar (pratos típicos de cada país) e outros eventos.

Por estar em uma universidade com diversos alunos internacionais, as experiências dentro de sala de aula e dos eventos da universidade sempre envolviam diálogos e troca de experiências com alunos de diversas partes do mundo, onde podemos perceber as diferenças culturais, de hábitos, criando um ambiente contínuo de aprendizado e troca, promovendo a formação global do aluno que está em mobilidade e dos alunos da universidade que os recebe.

Mas torna-se necessário frisar que além da imersão em outras línguas e culturas, a experiência cotidiana com a cultura e a língua de Portugal também se torna extremamente interessante, pois há diferentes termos e gírias em relação ao português do Brasil, diferentes conjugações dos verbos, variações da escrita, que permitiu uma série de aprendizados sobre a língua portuguesa e sua cultura.

Dentro deste contexto, surgiram inúmeras possibilidades de poder praticar o inglês, o espanhol e aprender um pouco novas línguas. Inicialmente, este contato com outras línguas e cultura se deu dentro da própria universidade, devido às atividades com outros alunos em mobilidade, ou até mesmo dentro da sala de aula, com leitura de textos internacionais. Mas além disso, as experiências de viagens são as mais marcantes, devido às diversas expectativas criadas com os destinos tão esperados.

Viajar, além de realizar um sonho, permitiu uma série de crescimentos pessoais e profissionais. Foi através destas experiências que o sentimento de liberdade e capacidade vieram à tona, criando uma sensação de que é possível alcançar todos os nossos objetivos em qualquer lugar do mundo. E foi devido a esse sentimento de capacidade, que viajei para cidades não esperadas, como Budapeste (Hungria) e Viena (Áustria). Mas além destas, tive oportunidade de conhecer outros sítios em Portugal, Espanha, França, Itália e Reino Unido, que permitiram aumentar os meus conhecimentos históricos, geográficos e culturais de cada país.

Crescimento pessoal e contribuições para o futuro

Conforme relatado até o momento, a experiência de mobilidade internacional permitiu um grande crescimento profissional e pessoal, que teve importância ímpar na minha formação como professor e como indivíduo. A diversidade cultural, linguística e, principalmente, geográfica possibilita uma formação de indivíduo consciente em relação às diferenças encontradas, que respeita e compreende o próximo com maior empatia.

Dentre todas as contribuições, a que considero mais relevante e impactante para meu crescimento pessoal é o sentimento de capacidade de alcançar todos os objetivos e sonhos almejados. Já que, por ter nascido e crescido em uma cidade pequena do interior, muitas conquistas e realizações se mostravam distantes da minha realidade, ou até mesmo impossíveis de acontecerem. Esse sentimento de incapacidade de “abraçar o mundo” estava relacionado a uma visão de mundo menos globalizado, com sentimento de um globo enorme, com grandes distâncias de deslocamentos. Mas com a experiência de mobilidade, de poder morar em Portugal, viajar para diversas cidades dentro de Portugal e para diversos países, esse sentimento de globo enorme aos poucos foi se transformando para um mundo percebido cada vez menor e alcançável, já que esses acontecimentos se tornaram cada vez mais palpáveis e concretos na minha vida.

Um grande exemplo desse sentimento foi minha viagem para Londres (Inglaterra, Reino Unido), que foi planejada para ser realizada com uma amiga que morava comigo em Évora, mas acabei indo sozinho, mesmo não sendo fluente na língua e dialogando apenas o básico da língua inglesa. Essa viagem foi o marco de superação do meu intercâmbio, pois depois de realizá-la, mesmo com algumas dificuldades na comunicação, o sentimento de superação e de ser capaz daquilo que almejamos é enorme, contribuindo para planejamentos futuros. Pois o sentimento de ser capaz de alcançar os nossos sonhos, aliado a uma percepção de mundo menor, nos possibilita planejar conquistas cada vez maiores.

Assim, posso dizer que a realização da mobilidade foi fundamental para agregar valor ao meu currículo, à minha formação como profissional e como ser humano. Atualmente, sou mestrando em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) e, devido minha vivência na mobilidade, tenho expectativas de poder realizar intercâmbio também no mestrado, justamente pela possibilidade de estar em contato com especialistas da minha área de pesquisa em outro país e poder conhecer novas metodologias e pesquisas em nível global, enriquecendo meus estudos que estão sendo realizados aqui no Brasil.

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