A importância da Mobilidade Internacional na formação cultural e intelectual do aluno

Charles Eleotério Gama

Graduado em Políticas Públicas pela UFF.

Foi intercambista na Universidade da Beira Interior (Portugal) em 2014.

A Universidade Federal Fluminense e suas oportunidades

Ingressei na Universidade Federal Fluminense no segundo semestre de 2012. Antes, cursava Licenciatura em Matemática a distância também pela UFF. Mudar para a graduação em Políticas Públicas foi preciso, pois sonhava viver aquilo que a universidade pública pode proporcionar ao estudante.

Abracei as oportunidades que a universidade me ofereceu. Participei de eventos nacionais e internacionais, publiquei artigos em congressos, escrevi capítulos de livros e tive trabalhos acadêmicos aceitos para apresentar em outras universidades públicas brasileiras e estrangeiras. Participei de programas de iniciação científica e fui voluntário em projetos acadêmicos dentro e fora da UFF.

Em 2013, comecei a trabalhar para ajudar minha família como ajudante industrial. No final do mesmo ano, precisei decidir entre o emprego e a universidade, já que a jornada laboral estava interferindo na minha formação. Conversei com meus pais e resolvi me dedicar somente à graduação. A partir dessa decisão minha vida mudou surpreendentemente.

Ainda em dezembro de 2013, me inscrevi para o processo seletivo de mobilidade acadêmica internacional da UFF. Logo no início de 2014, recebi a notícia de que tinha sido aprovado na primeira etapa do processo. No mesmo período, ganhei uma bolsa de desenvolvimento acadêmico que me ajudou financeiramente e contribuiu para o desenvolvimento dos meus estudos.

Ao ter sido classificado na fase final da mobilidade acadêmica, não pude conter as lágrimas. Afinal, essa era a oportunidade de um aluno do interior, pobre, que nunca tinha saído de sua cidade (Angra dos Reis), poder desfrutar de uma oportunidade tão grandiosa. Nesse sentido, Périco e Gonçalves (2018, p. 4) afirmam que:

a universidade desempenha papel fundamental de preparar os cidadãos para um mundo interligado e interdependente, com uma experiência educacional internacionalizada que permita o conhecimento e respeito pela diversidade cultural.

Meus familiares se alvoroçaram com o resultado pois fui o primeiro membro na história da minha família a completar um curso de nível superior.

Foram várias reuniões em Niterói para ajustar todo o processo e tirar as dúvidas dos estudantes em relação à viagem. Tive, nessas reuniões da Diretoria de Relações Internacionais (DRI), a oportunidade de conhecer colegas que também tinham sido selecionados no processo e iriam para o mesmo país de destino: Portugal. Com o passar do tempo, os laços de amizade se estreitaram.

Neste relato, destaco a importância do auxílio da minha orientadora de monografia, Profª Drª Priscila Erminia Riscado. Priscila sabia da minha inexperiência com viagens. Que seria difícil chegar a um país desconhecido, quando nunca se tinha deixado a própria cidade. Em um de nossos encontros antes da viagem, ela me deu muitas orientações para conseguir aterrissar em Portugal. Como meu voo tinha uma escala em Paris, tudo que poderia acontecer foi detalhado, até mesmo como eu deveria agir para realizar a troca dos portões de embarque no aeroporto Charles de Gaulle.

Embarquei no aeroporto internacional do Rio de Janeiro no dia 27 de agosto de 2014 e desembarquei em Lisboa no dia seguinte.

A chegada em Portugal…

Portugal me recebeu de braços abertos. Durante a primeira semana, me hospedei em Lisboa para conhecer a cidade. Em um primeiro momento, fui acolhido por amigos que fiz durante as reuniões da UFF, em Niterói: Ahmad El Gazzaioi e Carolina Miranda de Oliveira. Foi uma semana inesquecível. Por causa dessas reuniões, já compartilhávamos os medos, os anseios, e toda a emoção de um dos momentos mais importantes de nossas vidas.

Após essa semana, tomei um trem na estação Oriente, em Lisboa, em direção à cidade que eu moraria pelos próximos meses. Covilhã, Serra da Estrela, esse seria o destino das minhas aventuras futuras. Nesse ínterim, tive uns dias de solidão, pois nenhum amigo da UFF estava alojado nesta cidade. Precisei me reinventar, fazer novas amizades.

Os novos colegas estudantes (brasileiros e estrangeiros) me acolheram como se fossem minha família. Nesse sentido, Mijares Núñez y Peña Deulofeo (2020) nos mostram que a comunicação intercultural como forma de socialização cultural configura o comportamento e ajuda a construir suas atitudes.

A Universidade da Beira Interior e a experiência acadêmica

Périco e Gonçalves (2018) são claros quando declaram que a internacionalização do ensino por meio da mobilidade internacional é uma oportunidade significativa para que os estudantes brasileiros ampliem seus conhecimentos e experiências. Tive a oportunidade de ser um desses estudantes e de fazer parte dessa universidade tão querida e acolhedora. A Universidade da Beira do Interior (UBI) também me instigou a seguir a carreira acadêmica e continuar na luta por um mundo de diversidade. Foi nela que tive a oportunidade de estar ao lado de alunos de todas as partes do mundo e ter meu esforço reconhecido pelos professores.

A fotografia a seguir mostra meu primeiro dia na UBI. Lembro que minhas primeiras palavras foram: “Por muito tempo eu sonhei em pisar aqui. Todos os dias eu fazia esse percurso pelo Google Maps, e hoje estou realizando meu sonho e completando mais uma parte da história da minha jornada”.

Os professores da Universidade da Beira Interior foram fundamentais no processo de adaptação e aprendizado acadêmico. Além da estrutura incrível, as disciplinas são planejadas e pensadas para que o aluno desenvolva suas habilidades dentro e fora da universidade. Em busca de conhecimento, tive a oportunidade de participar de alguns eventos acadêmicos na UBI, entre eles cito um sobre comunicação política e outro sobre o estudo da língua portuguesa no mundo.

A experiência universitária, como já imaginava, foi uma mudança de hábitos e da rotina de estudos. Essa mudança me custou bastante esforço e organização para conseguir alcançar meus objetivos. Meus colegas de turma fizeram a diferença nessa busca. Fui muito bem acolhido e integrado na formação dos grupos dentro e fora das aulas. A nova rotina de estudos, acompanhamento das aulas e participação em grupos de estudos, aos poucos foram tomando forma.

Sobre os grupos de estudos, junto com amigos de diferentes cursos debatemos bastante sobre a união europeia: suas instituições e políticas. Essa visão de mundo me fez enxergar minha investigação (TCC) com outros olhos. Esse foi um dos momentos mais importantes dentro do meu processo acadêmico. Voltar para o Brasil com uma visão mais ampla sobre comunicação política refletiu positivamente no desenvolvimento do meu trabalho final de curso. Dentro do processo de recepção dos novos alunos, tivemos a oportunidade de conhecer todos os espaços da universidade. Abaixo, temos uma imagem que ilustra a recepção dos estudantes internacionais na UBI e esse trajeto pela universidade. O crescimento acadêmico adquirido dentro da UBI ultrapassou minhas expectativas.

Escutar vários estudiosos internacionais sobre diversos assuntos também foi parte do meu processo de formação. Em um desses momentos, tivemos a oportunidade de estudar e aprender sobre as políticas debatidas no parlamento europeu. Uma aula expositiva que exigia atenção e interação dos alunos. No meu caso, uma atenção do- brada pois os professores utilizavam muitos termos que eu não estava acostumado a ouvir no meu dia a dia.
Minha experiência em Portugal, na Universidade da Beira Interior pode ser observada em duas categorias: acadêmica e cultural. Dentro dos diversos eventos culturais que pude participar como aluno intercambista, o “Eurodinner” foi um dos mais divertidos. O evento fazia parte de um cronograma de atividades para reunir os estudantes internacionais em uma competição culinária. Por voto popular, todos os alunos provavam os distintos pratos e votavam no seu melhor. O grupo de brasileiros, do qual eu fazia parte, ganhou a competição com a sobremesa: brigadeiro. Abaixo podemos ver a foto que representou esse momento.
Quando encontrei meus novos amigos, expandi minha mente e vi que aquele menino do interior tinha muito o que aprender. Em Portugal, tive a oportunidade de refletir sobre minha vida pessoal. Venci o medo. Percebi que eu poderia ser genuíno. Com os novos amigos que fiz na UBI eu pude me libertar de preconceitos enraizados em nossa sociedade e me aceitar como eu sou. Eu pude declarar abertamente que sou homossexual. Lembro do abraço apertado que recebi de cada um e das muitas palavras de apoio e motivação.

Essa experiência me fez ser grande e forte. Me fez refletir sobre os desafios da vida. Me fez querer ser uma pessoa melhor. Me mostrou que era preciso lutar pelos meus direitos e aceitar que vivemos em um mundo de diversidade. Estar na UBI me trouxe a sensação de que meu lugar é onde meus sonhos me levam.

Durante o recesso das festas de Natal e Ano Novo, eu e mais sete amigos da UFF que vivíamos em diferentes cidades de Portugal, decidimos nos reunir e fazer uma viagem “mochilão” por quatro países da Europa. Nossa intenção era estar juntos nas festas de final de ano para que ninguém se sentisse só, conhecendo outros países etc. Essa experiência eu conto no próximo tópico.

Cultura e Saberes: uma viagem pela Europa

Costa, Silveira e Sommer (2003) nos mostram que as contribuições mais importantes dos ensinos culturais no Brasil são aquelas que ultrapassam os muros da escola. Essa experiência nos fez ultrapassar os muros da universidade e ir ao encontro de uma nova realidade.

Os nomes citados a seguir são de estudantes egressos da UFF que participaram do intercâmbio no mesmo período. Ahmad, Carolina, Edson, Greiciene, Lucas, Mariana e Priscila. No centro da foto abaixo, podemos perceber o estudante Misael, aluno da Universidade Federal do Rio de Janeiro que também estava como aluno de mobilidade internacional na Universidade de Coimbra.

Nos juntamos em uma reunião por Skype e depois de muitas opiniões resolvemos quais seriam nossos destinos: Alemanha, Holanda, Bélgica e França. Felizmente, compúnhamos um grupo respeitoso e intenso. A viagem durou 18 dias e foi cheia de emoções, surpresas e aprendizagem.

Nosso Natal foi celebrado em um hostel em Amsterdam, onde conhecemos outro grupo de brasileiros e celebramos juntos. Nos emocionamos por estar fora do nosso país e longe dos nossos entes queridos em uma data tão especial como o Natal. Em seguida, podemos conferir um pedacinho dessa aventura.

Já o nosso Réveillon aconteceu em Paris, cidade escolhida para finalizar nossa aventura. Infelizmente, nesse mesmo período, ocorreu o massacre do jornal satírico francês Charlie Hebdo.

Essa viagem nos fez refletir sobre o processo de imersão cultural em nossas vidas e nos ajudou a compreender novos contextos. A vivência em terras lusitanas nos permitiu desenvolver habilidades e conhecimentos que só acrescentaram na geração de empatia. Essa experiência vai além de uma simples viagem com fins turísticos.

O intercâmbio contribuiu significativamente com a prática investigativa. Essa prática envolve todos os âmbitos de aprendizagem. Essa oportunidade nos apresentou um conjunto de culturas e formas de viver a vida em suas particularidades. O processo de formação nessa viagem foi tão importante quanto os dias que passamos em sala de aula durante nossa estadia nas universidades portuguesas.

Considerações Finais

Faço essas considerações do final para o início. Atualmente, sou estudante do curso de Doutorado em Estudos Interdisciplinares de Gênero e Políticas de Igualdade da Universidade de Salamanca. Em setembro de 2020 me formei no programa de mestrado em Comunicação com Fins Sociais, pela Universidade de Valladolid. A oportunidade de cursar o mestrado na Espanha ocorreu por meio de um programa de bolsas de estudos da Universidade de Valladolid e do Banco Santander. Mas, o interesse em cursar um mestrado no exterior e o conhecimento sobre o funcionamento de programas de bolsas de estudos vieram através da experiência como bolsista de intercâmbio da UFF.

Fazer parte do grupo de bolsistas da UFF em 2014 foi o início para alcançar essas conquistas. Desde que me despedi de Portugal, sabia que voltaria para novas experiências. O intercâmbio me fez sentir que meu lugar é onde o conhecimento está. Me fez querer alcançar outras experiências. Hoje posso dizer que o estudante egresso do curso de Políticas Públicas da UFF é uma pessoa que continua sonhando e conquistando seu espaço no mundo.

Compreender as particularidades que cada país está inserido é um desafio. O intercâmbio cultural deve ser incentivado, levando em consideração que milhares de jovens sonham trilhar novos percursos. Além da formação acadêmica, esse processo pode ser fundamental para que o estudante compreenda sua própria realidade e se descubra enquanto ser humano. Stallivieri (2009) afirma que além do domínio específico de diferentes áreas do conhecimento, as habilidades desenvolvidas pelo estudante pressupõem a facilidade com a proficiência na comunicação e a capacidade de interagir naturalmente com indivíduos de outras culturas. Se lançar no mundo do intercâmbio significa construir pontes de conhecimento para um mundo melhor.

Referências

COSTA, Marisa Vorraber; SILVEIRA, Rosa Hessel; SOMMER, Luis Henrique. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, v. 23, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/FPTpjZfwdKbY7qWXgBpLNCN/?lang=pt. Acesso em: 05 fev. 2021.

MIJARES NÚÑEZ, Luis; PEÑA DEULOFEO, René. Comunicação intercultural entre estudantes universitários: influência na formação de atitudes e valores. Mendive – Revista de Educación, v. 18, n. 1, p. 34-47, 2020. Disponível em: http://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1815-76962020000100034&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 05 fev. 2021.

PÉRICO, Franco Gatelli; GONÇALVES, Roberto Birch. Intercâmbio acadêmico: as dificuldades de adaptação e de readaptação. Revista Educação e Pesquisa, v. 44, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ep/a/ncP7zLgbPM48QqtbjLcYBpD/?lang=pt. Acesso em: 05 fev. 2021.

STALLIVIERI, Luciane. As dinâmicas de uma nova linguagem intercultural na mobilidade acadêmica internacional. 2009. Tese (Doutorado em Línguas Modernas) – Universidad del Salvador, Buenos Aires, 2009. Disponível em: https://racimo.usal.edu.ar/52/. Acesso em: 05 fev. 2021.

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