Minha experiência na UFF: lembranças de um mexicano perdido no Brasil
Bruno Michel William Lemonnier LavinGraduado em Ciências da Comunicação pela Universidad Autónoma Metropolitana (México).
Foi intercambista na UFF em 2016.
Como começar a falar sobre tudo o que eu experimentei como estudante na UFF?
Minha experiência na UFF começou em agosto de 2016, depois de ter ganhado uma bolsa do governo mexicano para fazer estudos no estrangeiro. Eu tinha 21 anos quando eu cheguei na cidade maravilhosa, Rio de Janeiro, na última semana dos Jogos Olímpicos. Foi a primeira vez da minha vida que eu morava num outro país sozinho. Nos primeiros dias, eu fiquei na casa da família da Marina, uma amiga que eu tinha conhecido um ano atrás, na minha universidade (UAM). Ela estudava História na UFF e foi fazer intercâmbio aqui, na Cidade do México. Um ano depois, eu estava fazendo a minha mobilidade para o Brasil.
Quando eu viajei para o Rio, esperava conhecer sobre outra cultura, outra maneira de perceber a realidade, aprender uma outra disciplina, outra língua, mas não esperava encontrar tudo o que eu encontrei. No México eu sou estudante de Comunicação, na UFF, eu fui estudante de Psicologia. Quando eu cheguei neste país, estavam acontecendo muitas coisas: Jogos Olímpicos, escândalos da corrupção, o impeachment de Dilma, o inconformismo com o governo de Temer, a crise política e econômica, as eleições pela prefeitura do Rio e Niterói. Eu vivi a experiência completa!
Desde a primeira noite no Rio de Janeiro, tudo foi muito impressionante para mim. Nesses dias, eu tinha começado minha aventura duas semanas antes de começar as aulas, então eu queria conhecer tudo: a cultura, a dança, a comida e o povo. Era a última semana dos Jogos Olímpicos. Lembro muito bem dessa noite, na praça perto do Museu do Amanhã. O Brasil estava na final do futebol dos Jogos Olímpicos. Antes da partida teve uma música incrível da Dona Onette, fazendo um dos espetáculos mais memoráveis que vi na minha vida. Era uma música diferente, com o som dos instrumentos invadindo todos os sentidos, a gente dançando e bebendo cachaça na rua. Mais tarde, o Brasil ganhou a medalha de ouro no futebol e essa noite foi uma loucura: todos dançavam felizes. E assim, foi a primeira noite no Brasil.
Nesses dias eu fui mais um turista. A primeira coisa que eu conheci foi o Jardim Botânico, um dos lugares mais lindos que eu vi no RJ, além de Ipanema e o centro do Rio. A Marina trabalhava nesses dias no Museu do Amanhã e, entretanto, ela fazia “os recorridos” (os passeios), eu só caminhava pelo centro, olhava para todos lados, perdido nas ruas encantadoras dessa cidade. Depois de uma semana de ficar na casa da minha amiga, eu comecei minha aventura em Niterói. Aluguei um quarto perto de Icaraí para começar os cursos de “indução” (introdução) para estudar na UFF. Foi lá que eu conheci muitos dos meus amigos atuais. Eu acho que nesse momento, só na UFF, tinha 70 estudantes internacionais. Cada um de nós tinha um “padrinho”, um brasileiro estudante da UFF que ia nos ajudar com qualquer trâmite ou dúvida. A Carol, minha madrinha, foi muito boa comigo, pois eu tive muitos problemas para fazer o trâmite na polícia para o “visado” (visto). Até eu perdi meu passaporte um dia! Mas, felizmente, alguém o encontrou e levou para a UFF.
As aulas também foram muito legais. Eu escolhi cinco disciplinas: Psicometria, com a Michelle, teorias da Gestalt, com o Valmir, Psicologia Social, com a Silvana, aulas para aprender Português, com a Adriana e práticas transdisciplinares, mas não lembro com quem. Nesse tempo, eu tinha muito interesse pela Psicologia, e sendo estudante da Comunicação, foi muito gratificante complementar meus estudos com uma outra perspectiva. Eu acho que as aulas que mais gostei foram Psicologia Social e a aula do Português para estrangeiros. Na primeira, estudamos os movimentos sociais desde a perspectiva da macro e micropolítica, que é sobre a construção das micropolíticas (ou seja, a produção das forças que criam uma dinâmica dentro duma sociedade, nosso dia a dia) e de os jeitos de como os povos mantêm uma integridade a todos os níveis: educação, política, cultura, religião, identidade, tradições, etc.; para assim criar forças de produção de sentido. Estas formas constituem o que chamamos de macro política, ou seja, a maneira de criar estruturas que mantém uma certa ordem.
Sobre as aulas de Português, foi lá onde aprendi sobre a história, as expressões e os jeitos próprios dos brasileiros. A Adriana, além de nos ensinar gramática portuguesa, ela nos falava sobre outros aspectos do país, por exemplo, quem era Getúlio Vargas, a sua perspectiva sobre a ditadura, o que era o frescobol, a origem do carnaval, a diferença entre o sotaque carioca e o paulista, sabem? Era uma aula para nós como estrangeiros perguntar sobre o que percebíamos nas ruas, tipo a gíria de Niterói, fazer a pronunciação correta, pedir um suco em Copacabana etc.; esses pequenos detalhes que uma pessoa deve saber para conhecer o Brasil. Também nos ensinava expressões com a música do rock brasileiro e nos relatava a história dos músicos. Fazer esse descobrimento foi como nascer de novo. Até agora, eu não paro de ouvir a música da Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Raul Seixas, Caetano Veloso etc.
Na minha vivência mais pessoal, eu conheci muita gente que agora é importante na minha vida. Ainda tenho amigos que eu fiz no Brasil, nacionais e estrangeiros. Eu lembro o maravilhoso que era morar perto da praia, lá em Icaraí, o sol de Ipanema, o futebol nas ruas, os salgados (especialmente a coxinha do frango), o funk e a Cantareira cada quinta-feira. Eu aprendi a falar um português quase perfeito. Uma curiosidade na minha vida, é que quando eu acabei meus estudos, meu primeiro trabalho foi como tradutor de português. E até hoje em dia, eu trabalho como tradutor dessa língua maravilhosa.
Mas, como estudante de Ciências Sociais, gosto de olhar para as outras culturas, especificamente sobre a sua situação política. Eu comecei a estudar e percebi que muita gente estava infeliz com o que estava acontecendo com a política brasileira. Eu só tinha dois meses estudando e as aulas foram canceladas pela ocupação, em protesto contra aPEC 55. Acho que aprendi muito mais nessa ocupação que nas aulas.
Perceber um protesto social no Brasil foi interessante, mas ao mesmo tempo muito triste, pelas diversas situações injustas. Acho que esse movimento foi o resultado de muitos fatores que empurraram os estudantes, os professores e cidadãos conscientes a protestar contra um sistema corrupto e que a PEC 55, sem dúvida, era uma proposta que prejudicava diretamente o povo brasileiro e chamava a um retrocesso social.
Parece-me emocionante a resistência que alunos e professores fizeram para impedir que a PEC 55 fosse aprovada no congresso. No dia que começou a ocupação eu estava na UFF, nas aulas de Psicologia Social com a professora Silvana Mendes e gostei muito como todos (ou quase todos), estavam a favor de ocupar os prédios do Gragoatá para fazer essa resistência e lutar contra tudo que achavam injusto. Eu tentei observar, participar; entretanto é difícil quando você se encontra fora do contexto, mas eu fui para a ocupação, participei de umas discussões e até fui a Brasília para um protesto que aconteceu lá (eu fui para documentar o processo, não para protestar, pois como estrangeiro eu não podia), com uma amiga francesa, Charlotte, que morava comigo numa república de estudantes, na praia de Icaraí. Não sei quem ganhou ou quem perdeu, mas para mim, só resistir já é ganhar. A ocupação, na minha opinião, criou um novo sentido, uma maneira diferente de falar, de atuar e de pensar a situação atual, para mim e para os demais.
Pessoalmente, eu me senti muito identificado porque nessa época a situação política no meu país também era injusta, mas honestamente, no México não fazemos protestos tão poderosos como aqueles que eu experimentei, e também acho que o brasileiro tem uma identidade política mais íntegra do que os meus paisanos. Essa foi uma das melhores experiências que eu poderia ter tido, pois aprendi novas maneiras de experimentar a política. E depois desses anos, eu acho: ocupar um espaço público como é a universidade é uma maneira de resistir, de lutar contra tudo o que não é justo. Se falasse de minha experiência pessoal, poderia dizer que a situação no meu país é a mesma (falo da injustiça social, a ineficiência do sistema, o pouco interesse do governo para melhorar a educação, etc.), e também um problema que tem em toda América Latina: a corrupção, a impunidade, a passividade do povo, a violência cultural, o machismo etc…. Mas também aprendi que tem gente que faz a resistência, que luta para manter os direitos, que tenta criar espaços de discussão e que tenta ter uma educação de qualidade.
Voltando para a minha experiência mais pessoal, eu também conheci algumas cidades importantes no Brasil. A primeira viagem que eu fiz foi para Ilha Grande, com um grupo extenso de estudantes de outras universidades que estavam fazendo sua “estância” (estadia) no Rio de Janeiro. Foi lá onde eu conheci a palavra “trilha”, eu recorri caminhos muito bonitos nessa ilha, conheci gente muito especial e foi para umas das praias mais bonitas que eu tinha visitado.
Mais tarde, em outubro, aproveitei a ocupação para fazer uma pequena viagem para o estado de Minas Gerais. O primeiro destino foi Belo Horizonte. Viajei com duas amigas da Alemanha. BH foi muito melhor do que eu esperava, mas eu fiquei apaixonado por Ouro Preto, aquela cidade colonial de pequenas ruas com muita vida. Depois visitamos São João del Rei e Tiradentes. Foi uma das melhores excursões no Brasil. Mesmo com a greve no Brasil, chegaram as feiras de Natal. Como eu estava longe da minha família, fui convidado pela família da Marina para passar o Natal na sua casa de campo em Tiradentes. Era a primeira vez que eu não celebrava o Natal no México com a minha família, mas eu me senti muito bem de ter experimentado esse dia com uma família brasileira. Até os pais dela fizeram um pequeno presente para mim, e eu que gosto de cozinhar muito, eu fiz um bolo de maçã para a família. Depois, voltei para o Rio e passei o Ano Novo em Copacabana com a galera estrangeira.
Para princípios de janeiro, voltamos às aulas. Eu acho que aquela ocupação se estendeu por quase três meses, desde finais de outubro até janeiro. Então, para mim, a experiência acadêmica foi um pouco deficiente, mas a aprendizagem política foi mais gratificante que ter estudado movimentos sociais nas aulas. Nós voltamos para as aulas em janeiro, no meio do verão quente e com o carnaval perto, infelizmente, eu não pude experimentar o carnaval carioca. Mas sobre os últimos dias nas aulas, fizemos reflexões sobre a ocupação, eu escrevi um pequeno texto sobre a minha opinião do que eu experimentei e depois eu apresentei o meu trabalho numa roda de reflexões no campus do Gragoatá. Os professores foram muito flexíveis comigo, eu fiz provas para voltar ao México com as minhas notas. Acho que a média foi muito boa, tipo 9.5.
Meu último dia no Brasil foi 28 de janeiro de 2017. Eu acordei, me despedi dos meus amigos, alguns iam ficar mais tempo, outros também estavam se despedindo da cidade, e da vista do Cristo Redentor que guardava toda a Baía de Guanabara. Peguei o ônibus para o aeroporto. Fiquei triste pensando que aquela aventura tinha chegado ao seu fim, mas muito feliz de tudo o que eu tinha aprendido. Espero algum dia voltar para o Rio, para Niterói e visitar a UFF.