Gélida e calorosa: Montreal, a melhor cidade para estudar, pesquisar e curtir

Lucas Peixoto Pinheiro da Silva

Graduado em Relações Internacionais pela UFF.

Foi intercambista na Université de Montréal (Canadá) em 2015.

Meu objetivo, por meio deste relato, é contar a experiência que tive ao viver e estudar no exterior, a fim de propiciar aos futuros alunos de mobilidade internacional uma experiência bem-sucedida e proveitosa. Esse processo inicia-se na fase de planejamento. É essencial que o futuro aluno de mobilidade pesquise sobre os costumes do país e do local para onde irá. No meu caso, eu pesquisei sobre o Canadá, sobre a província do Quebec e sobre Montreal. Isso foi muito importante porque o Quebec possui muitas peculiaridades em relação ao restante do Canadá, o que influenciou no cotidiano e na experiência acadêmica que tive na Université de Montréal (chamada localmente de UdeM), no semestre de inverno de 2015.

Na fase de seleção de opções, eu selecionei duas instituições de preferência, no programa de mobilidade da UFF, a York University, em Toronto, que fica na província do Ontário, e a UdeM, que fica em Montreal, na província do Quebec. Ontário é uma província anglófona enquanto Quebec é uma província francófona, na prática. Embora Montreal seja uma cidade bilíngue e com universidades anglófonas renomadas, como a Concordia University e a MGill University, é essencial saber francês para viver no Quebec. Eu fui selecionado para ir para a Université de Montréal, a maior universidade francófona do Canadá e uma das melhores do país também, em 2020, tendo figurado, na Times Higher Education, como 76ª melhor universidade do mundo.

A moradia e as pessoas com que convivi contribuíram muito para enriquecer a minha experiência internacional. Eu aluguei um quarto por meio de uma startup criada por alunos da Université de Montréal chamada Get Your Place. Por meio desse serviço, era possível alugar quartos com contratos flexíveis, com períodos equivalentes a um semestre letivo. Isso tornava esse serviço ideal para alunos internacionais, em especial de mobilidade internacional. Tive alguns problemas com a primeira moradia que escolhi, que foram prontamente resolvidos pelos donos da empresa, o que serve de exemplo para todos os canadenses, que são extremamente educados e voluntariosos. Desse modo, onde acabei morando, havia outros três colegas de diferentes áreas do conhecimento e de diferentes nacionalidades. Quase todos recém-chegados, abertos a estabelecer novas amizades e querendo aproveitar todo o potencial daquele período.

Além de mim, que estudava Estudos Internacionais; havia uma francesa e uma italiana, que estudavam Psicologia; e um venezuelano, que estudava Gastronomia. Essa diversidade jogou-me para fora da “zona de conforto”, pois não havia com quem falar português em casa. Isso pode parecer um problema; mas, na verdade, foi uma ótima oportunidade. Isso obrigou-me a comunicar-me em outros idiomas e com pessoas de culturas diferentes ao longo de todo o período de intercâmbio. É muito comum, conforme ouço de amigos que também fizeram intercâmbio, fazer amigos e sempre sair com pessoas da comunidade brasileira. Acredito que permanecer nessa “bolha” da comunidade é prejudicial para alcançar o potencial que essa experiência de imersão pode oferecer. Como não fiz isso, precisava comunicar-me em francês sempre e, quando surgia alguma dificuldade grande, partia para o inglês ou para o espanhol. Dessa forma, mesmo quando eu “trapaceava” na comunicação, estava praticando outros idiomas.

A comunidade brasileira em Montreal é extensa. Não encontrei dados oficiais, mas a comunidade no Facebook Brasileiros em Montreal, destinada a brasileiros que vivem ou pretendem viver na cidade, possui mais de 25 mil membros atualmente. É um bom repositório de dicas sobre onde encontrar coisas que os brasileiros sentem falta, como panela de pressão (para fazer feijão) ou pão de queijo. Eu sentia muita saudade do Brasil e matava essa saudade por meio desses produtos brasileiros que encontrava e costumava compartilhar com os novos amigos que fazia. Desse modo, eu matava a saudade e ainda divulgava um pouco da minha cultura, incentivando também futuras atividades recíprocas, nas quais podia experimentar um pouco das culturas dos novos amigos, como a italiana, a sueca, a tailandesa, a venezuelana, além da canadense, é claro.

Montreal é uma cidade global, com muitas comunidades étnicas, possuindo suas Little Italy e Chinatown. Eu morei no bairro Le Plateau-Mont-Royal, que fica aos pés da montanha que dá nome à cidade. É um bairro muito jovem, recheado de cafés e restaurantes, rodeado de comércio de todo tipo. Nesse bairro, havia uma comunidade portuguesa, com restaurantes de comidas típicas, incluindo padarias e adegas, vendendo produtos que são muito comuns à culinária brasileira. Nesses estabelecimentos, não é raro ver os funcionários falando em português entre si e era oferecido o jornal comunitário, em português, o que eu achava fascinante, pois foi algo que descobri andando pelo bairro.

Mesmo sendo uma cidade muito cosmopolita e bilíngue, é fundamental saber o francês em Montreal. Isso deve-se à história da província do Quebec. É uma província que possui alto grau de autonomia no Canadá. Há um movimento independentista que tem como principal organização política o Parti Québécois, que possui representação parlamentar, embora minoritária. Conquanto o movimento pela independência não seja muito forte, o orgulho quebequense nota-se a olhos vistos. Observam-se em residências, comércios e edifícios governamentais a bandeira do Quebec com mais frequência do que a própria bandeira nacional canadense. A bandeira juntamente com o idioma francês são os principais símbolos dessa identidade provincial. Ao ser uma província francófona em meio a um país anglófono, existe uma pressão muito forte, até pela praticidade, que todos falem inglês, o que apagaria esse traço cultural típico. Em contrapartida, o governo do Quebec estabeleceu várias normas que impõem o uso do francês como idioma preferencial. As placas de trânsito são todas em francês, bem como os letreiros dos ônibus, o texto lido no metrô e muitas outras coisas. Todos os rótulos de produtos no supermercado e os letreiros de lojas conhecidas são traduzidos para o francês. A legislação canadense já obriga, por meio do Consumer Packaging and Labelling Act, que todos os rótulos estejam em inglês e em francês; mas, na jurisdição do Quebec, os rótulos devem ser em francês e, quando houver mais de um idioma no rótulo, a transcrição francesa deve ser com uma fonte de maior proeminência. Darei dois pequenos exemplos que mostram o quão pitoresca pode ser essa situação. Quando eu adquiria produtos da marca President’s Choice, havia ao lado do título da marca escrito La Choix du Président, em uma fonte maior do que o título original. Starbucks Coffee, que possui o mesmo letreiro em quase qualquer lugar do mundo, incluindo Niterói, chama-se Café Starbucks no Quebec.

Bandeira do Quebec

No passado, as elites inglesas, que colonizaram o Quebec após os franceses, gozavam de status diferenciado em relação à maioria francófona, que, normalmente, era desprivilegiada socialmente. Até hoje, nota-se que muitos bairros ricos da cidade possuem nomes ingleses. Além disso, há também uma rivalidade religiosa, pois os cidadãos de origem francesa, que são maioria, costumam ser católicos, diferentemente dos descendentes de ingleses, que são protestantes.

Há, portanto, um histórico de rivalidade entre as culturas anglófona e francófona que possui origens transversais, incluindo vários campos sociais. Por isso, é preferível, ao abordar um cidadão local, falar em francês, mesmo que de forma desajeitada, do que falar em inglês de forma escorreita. Os quebequenses valorizam muito quem se esforça para falar em francês, ainda mais se for com as características provinciais do idioma. O francês quebequense possui peculiaridades em relação ao idioma falado na França. Essas diferenças estão na pronúncia e no vocabulário, o qual possui uma aversão maior ao estrangeirismo do que na França. Por exemplo, enquanto, na França, fim de semana é week-end; no Quebec, fala-se fin de semaine. Na UdeM, eram oferecidos cursos de francês quebequense pelo Services aux Étudiants (SAÉ). Valem a pena.

Eu estudei no semestre de inverno e a diferença de temperatura foi gritante em relação ao Brasil. Recomendaria a qualquer brasileiro que vá, no mesmo período, a preparar-se para o frio. O inverno de Montreal é muito rigoroso. Cheguei a pegar -25 ºC na cidade e -35 ºC nos arredores da cidade do Quebec, que fica a 255km de Montreal. Para mim, que sempre morou no estado do Rio de Janeiro e nunca tinha visto neve, foi um choque, no início; mas acostumei-me em pouco tempo, pois o frio e a neve proporcionam lindas paisagens. Além disso, a cidade de Montreal possui uma infraestrutura excelente para lidar com o frio, com 32 quilômetros de caminhos de túneis subterrâneos que compõem o Réseau Piétonnier Souterrain de Montréal (RÉSO), que conecta importantes atrações turísticas e possui vários centros comerciais. O RÉSO, assim como todas as estações de metrô, é aquecido durante o inverno. Montreal é uma cidade incrivelmente bem estruturada para enfrentar o inverno.

Analogamente, isso também serve para a UdeM. O campus de Montreal da universidade é muito extenso, incluindo 40 edifícios e mais 65 hectares de terreno. Há três estações de metrô ao longo da universidade. O pavilhão principal, o Roger-Gaudry, é o mais icônico da universidade, pois possui uma emblemática torre de 22 andares com o cume abobadado. Nesse pavilhão, eu tive aulas de Economia do Mundo Árabe, nas noites de quarta-feira. Nessas aulas, pude observar quantos imigrantes de origens árabe e muçulmana havia na cidade. Muitas mulheres de hijab assistiam a essa aula. Pude interagir com alguns colegas de turma para fazer um trabalho de grupo e apenas um membro do grupo era canadense, de origem libanesa. Os outros eram do Haiti e do Senegal. Isso demonstra o nível de internacionalização da universidade, o que alimenta o sistema educacional canadense com perspectivas muito diferentes e enriquecedoras.
Eu fiz quatro disciplinas no total, que era bem próximo do limite de créditos que eu podia pegar como aluno de mobilidade. Além de Economia do Mundo Árabe, eu estudei Sistemas Internacionais dos séculos XIX e XX, América Latina e Europa Contemporânea. A primeira aula a que assisti foi a de Sistemas Internacionais. Na primeira aula, levei o meu caderno e reparei que 80% da turma usava laptops ou tablets, o que me fez sentir um pouco retrógrado. Ao longo da aula, a primeira aula de nível superior em francês, fui tomado por uma melancolia e uma preocupação de que poderia ser reprovado em tudo, pois só havia compreendido cerca de 50% do que estava sendo dito. Um detalhe adicional é que aquele professor era francês. Diante de aulas ministradas por professores canadenses, o sotaque carregado tornava ainda mais difícil a compreensão. Tive de me adaptar.

Desenvolvi algumas técnicas para aumentar o rendimento das aulas e superar eventuais dificuldades. Primeiramente, comecei a gravar o áudio de todas as aulas, desse modo, poderia escutar novamente, em casa, as partes em que tinha dúvida. Logo percebi que tentar encontrar trechos específicos ao longo de três horas de áudio era trabalhoso e passei a fazer marcações do tempo de gravação junto com as anotações de cada tópico de aula, o que facilitou muito, ao buscar sanar uma dúvida pontual, mais tarde. A verdade é que lendo o material em francês e assistindo às aulas, não demorou muito para pegar o ritmo. No fim do semestre, eu conseguia entender entre 95% e 100% do que era dito, até porque eu já estava familiarizado com os termos técnicos e jargões típicos do meu campo de conhecimento em francês. É incrível notar como a experiência de imersão em outro idioma e cultura acelera o aprendizado. Eu consegui ser aprovado em todas as disciplinas com notas acima das médias das turmas, o que para mim foi uma superação muito regozijadora.

Em comparação com as aulas que tinha no Brasil, a principal diferença era a organização. Lá, assim como aqui, há professores que são melhores ou piores que os outros, mais ou menos dedicados. Em Montreal, contudo, notei que há um nível de organização das aulas e dos conteúdos exemplar. Você já possui os slides de todas as aulas disponíveis no sistema digital do aluno desde o início do semestre. As aulas começam pontualmente, com raras exceções. Nesse sentido, tive alguma dificuldade de me acostumar, principalmente porque três das minhas aulas começavam às 13h, o que era muito próximo do meu horário de almoço, sendo que eu almoçava em casa e precisava pegar um ônibus ou metrô para chegar à universidade. A pontualidade canadense não é apenas um reflexo cultural, mas também um reflexo da infraestrutura. O sistema de transporte funciona pontualmente quase sempre, então não há muitas justificativas para atrasos. Havia uma tabela de horários nos pontos de ônibus que era respeitada de forma inacreditável, às vezes. No entanto, a partir das 16 horas, havia engarrafamentos no horário de retorno para as casas e os horários já não funcionavam com tanta exatidão.

Os métodos de avaliação dependem do professor. Em geral, é como no Brasil, o professor possui ampla liberdade na distribuição de pontos, embora seja necessário haver uma prova escrita, ao menos. Era uma mistura de provas com trabalhos escritos, geralmente um ensaio ou um pequeno artigo, às vezes em grupo, o que também favorecia a aproximação com colegas e a troca de experiências. É importante lembrar que a experiência está para além da sala de aula. Eu reuni-me várias vezes com colegas de turma em cafés para discutir trabalhos. Na disciplina de América Latina, por exemplo, era preciso escrever uma nota ministerial (fictícia), em dupla, para um país da região, a qual redigi em conjunto com um colega de turma francês.

Uma coisa de que gostei muito é que antes das provas, eles costumam ter uma semaine de lecture, uma semana sem aulas, no meio do trimestre. Essa semana serve a vários propósitos, incluindo estudar para as provas do meio do trimestre, as intras, colocar as matérias em dia ou tirar uma folga. Durante essa semana, assim como na semana anterior às provas finais, a biblioteca da universidade funciona 24h. Algumas disciplinas que fiz não tinha intras e, como eu estava em dia com o conteúdo, aproveitei a semana para viajar. Fui até Toronto visitar um amigo do Brasil que entrou no mesmo edital do programa de mobilidade que eu. Ele estava na York University. Isto também é muito enriquecedor: trocar experiências com colegas ou amigos do Brasil que estão passando pelo mesmo processo. Isso permitiu-me verificar as diferenças regionais do Canadá. Reparei, por exemplo, que a localização central do campus da Université de Montréal é muito vantajosa.

A própria UdeM ofereceu-me muitas oportunidades de conhecer melhor o Canadá e de me enturmar com outros alunos de mobilidade do mesmo período. A universidade seleciona alguns “embaixadores” para auxiliar na conexão entre os intercambistas, marcando eventos com todos. Dentro do SAÉ, existe a Action Humanitaire et Communautaire (AHC), que teve muito impacto na minha experiência estudantil na UdeM. Na AHC, eu tirei dúvidas e recebi orientações acerca de procedimentos burocráticos da universidade, fiz amizades por meio de um programa que unia estudantes de diferentes nacionalidades que queriam praticar novos idiomas e ainda participei de algumas excursões de um programa de viagens a preços muito acessíveis chamada Clé des Champs.

Traîneau a chien

Nesse programa, são oferecidas viagens, com guias da universidade para o interior do Canadá, aproveitando o melhor de cada estação. Eu, que estava lá durante o inverno, participei de uma excursão para a Cidade do Quebec e entorno, bem como as quedas de Montmorency. Foi uma viagem muito econômica e muito divertida. Uma das colegas de apartamento também foi comigo, bem como outros alunos de mobilidade que já havia conhecido em outros encontros. Entre as atividades da viagem que participei, teve passeio com trenó de cães; pesca em lago congelado; tour guiado pela cidade velha do Quebec; visita ao Hôtel de Glace, um hotel que é construído de neve e gelo e visita a um pequeno museu do xarope de bordo, uma das principais iguarias do Canadá.

Iniciativas como as da AHC são muito importantes para o aluno estrangeiro, pois a rotina muitas vezes nos faz esquecer que temos pouco tempo para aproveitar a cidade. Muitos lugares que não visitei e fui deixando para o final da viagem, tive de correr para visitar, como o Biodome e o Estádio Olímpico, por exemplo. Há muitas coisas para visitar. O ideal é parcelar essas visitas ao longo do tempo, a fim de não perder nada.
Excursão da AHC à cidade do Quebec
A vida cultural de Montreal é muito animada. Entre os festivais, há cerca de uma dezena, incluindo Montréal en Lumière, ao qual pude ir por ser no inverno. É um dos maiores festivais de inverno do mundo, incluindo shows, artes luminosas e muitos food trucks. Com uma comunidade irlandesa nada desprezível, o dia de São Patrício é muito animado, com desfiles no centro da cidade em pleno inverno, incluindo carros alegóricos e outras atrações. Além disso, a cidade possui muitos museus, com lindas exposições, incluindo o Musée d’Art Contemporain de Montréal, o McCord Museum, a Société des Arts Technologiques, a Fondation PHI pour l’Art contemporain e o Musée des Beaux-Arts de Montréal, que foi o meu favorito, na época com uma exposição sobre o Oriente Médio no imaginário europeu do século XIX. Vale muito a pena dedicar tempo e recursos para a vibrante agenda cultural da cidade. Se pudesse voltar no tempo, teria aproveitado ainda mais.

O Canadá possui restaurantes e tradições culturais de vários lugares do mundo, bem como tem suas próprias. O xarope de bordo representa uns 75% dos pratos típicos do Canadá, faz-se de tudo com esse extrato, incluindo doces, bebidas e cosméticos. As possibilidades são quase inesgotáveis. Outros pratos típicos incluem Poutine, composto por batata frita e molho de carne, e a carne defumada de Montreal, que é muito tradicional da cidade, a ponto de redes internacionais como o Subway, incluírem no cardápio.

Não é à toa que Montreal é sempre ranqueada entre as melhores cidades universitárias do mundo. Além de sediar muitas universidades de qualidade, a cidade possui uma vida cultural vibrante e muitas oportunidades para os jovens se divertirem, bem como pos- sui uma infraestrutura muito qualificada para o estudante. Com o maior acervo de livros em língua francesa da América do Norte, a rede de bibliotecas municipais da cidade de Montreal inclui 44 unidades, sem contar as bibliotecas das universidades. A UdeM oferecia de forma acessível monitores e horários com os professores em seus escritórios, bem como os bibliotecários que pesquisavam materiais que poderiam ser úteis nos trabalhos.

Enfim, Montreal é um paraíso para estudar, pesquisar e curtir.

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