De um oceano a outro: uma brasileira em terras canadenses
Jennifer de Araújo RosaGraduada em Letras – Português/Inglês pela UFF.
Foi intercambista na Bishop’s University (Canadá) em 2015.
Palavras iniciais
Este relato é baseado na minha experiência de mobilidade acadêmica internacional, entre os anos de 2015 e 2016, na universidade canadense Bishop’s University. Como estudante de Letras, com habilitação em Português e Inglês, sempre soube que um intercâmbio seria extremamente relevante para a minha trajetória profissional. No entanto, o que eu não esperava era que tal experiência me transformaria completamente como pessoa.
Já na minha primeira semana de graduação, em 2013, conheci o programa de Mobilidade Acadêmica organizado pela Superintendência de Relações Internacionais (doravante SRI), durante os eventos de recepção realizados com o objetivo de melhor integrar alunos calouros. Naquela época, eu desejava profundamente realizar o sonho de estudar em uma universidade estrangeira, mas sabia das adversidades. No entanto, ser a primeira pessoa da minha família a ingressar em uma universidade federal me nutria de forças para seguir em frente e enfrentar qualquer tempestade, afinal, eu não estava sozinha, mas levava comigo todos os meus familiares que sempre sonharam meus sonhos e se dedicaram para que eu os realizasse.
Assim, o sonho se tornou plano e o plano se tornou projeto. Com muita pesquisa, leitura e contatos, tracei diversas estratégias para que a experiência se tornasse possível. Tomada a decisão, meu foco se dividiu em quatro: planejamento financeiro, estudos, trabalho e preparo psicológico. Cada momento abdicado e cada centavo economizado me aproximavam das terras canadenses. Então, em 2014, fiz a inscrição no programa de mobilidade internacional e, alguns meses mais tarde, surgiu a confirmação: no segundo semestre de 2015, estaria embarcando para Sherbrooke, no Canadá, para estudar no curso de English and Literature da Bishop’s University. Antes de apertarmos os cintos para levantar voo, gostaria de agradecer à SRI pela divulgação do programa de Mobilidade Acadêmica – e de tantos outros! – pela disponibilidade em tirar todas as dúvidas que surgiram no caminho e por transformar a vida de milhares de alunos, como eu.
Primeiras semanas e primeiros desafios
No dia 11 de agosto de 2015, embarcava rumo a Montreal, com conexão em Atlanta, nos Estados Unidos. Ainda na época de pesquisa da passagem mais acessível, percebi que os voos diretos eram até 80% mais caros do que os com uma ou duas escaladas. Assim, como já havia tirado o visto de turismo americano pensando em uma eventual visita ao país vizinho, aproveitei os valores promocionais oferecidos pela companhia aérea Delta Airlines.
Algumas horas mais tarde, o avião pousou no aeroporto Pierre Elliott Trudeau, em Montreal, mas a jornada até a minha nova cidade ainda estava longe de acabar. Aguardando no desembarque estavam a Catherine e o Erick, casal canadense que iria me receber nas primeiras semanas, até que encontrasse um apartamento definitivo.
Aqui ressalto que a outra opção de hospedagem inicial seria o Airbnb, uma vez que os hotéis da cidade tinham preços bem salgados e a possibilidade de alugar um apartamento ainda do Brasil estava fora de cogitação por diversos motivos, mas acima de tudo, pela minha preferência em formalizar o contrato após visitas e voltas pelos bairros. Também é importante ressaltar que, na época, descobri que muitos estudantes internacionais que vão para Sherbrooke utilizavam a empresa de ônibus Limocar, que faz o trajeto direto do aeroporto de Montreal até o centro da cidade de Sherbrooke.
Inevitavelmente, as primeiras semanas foram de estranhamento. A sensação ainda não era de saudades, mas de falta. Falta do barulho das buzinas, das ruas e ônibus lotados, da preocupação cotidiana com a violência e do medo ao voltar da universidade às 22 horas. Logo percebi que estava acostumada ao que sempre havia me incomodado. Afinal, para uma pessoa nascida e criada no Rio de Janeiro, numa cidade com pouco mais de 160 mil habitantes, onde todas as lojas fechavam a partir das 20 horas da noite e as notícias principais falavam dos poucos ônibus que atrasavam 2 minutos do horário agendado, era, no mínimo, pouco usual. Percebi, mesmo em pouco tempo, que o choque inicial certamente mudaria meus parâmetros de cotidiano.
Falando sobre mudanças, a transição do português para o inglês não foi exatamente como eu esperava, já que, na minha nova cidade, apenas aproximadamente 5% da população possuía o inglês como primeira língua. Lembram das pesquisas iniciais que mencionei anteriormente? Ela foi super importante para lidar com o desafio linguístico. Desde 2013, quando Sherbrooke se tornou a possibilidade principal de destino por, principalmente, ter um custo de vida reduzido em comparação à vizinha Montreal, iniciei os meus estudos de francês na própria UFF e eles se mostraram essenciais para uma melhor adaptação.
Devo ressaltar que, ao longo da Mobilidade Acadêmica, percebi que a grande maioria dos estudantes da Bishop’s University relatava viver muito bem apenas com o inglês, já que a universidade fica em Lennoxville, região predominantemente anglófona na cidade. Assim, sendo possível, recomendo o estudo, pelo menos, básico da língua francesa. Os primeiros dias na cidade foram assustadores, já que optei por me comunicar em francês, mas não estava habituada ao sotaque canadense. Ainda assim, decidi encarar como mais um momento de superação e, com paciência — principalmente dos interlocutores! — o que era impossível tornou-se possível e, aos poucos, o medo deu lugar à motivação de aprender ainda mais.
Mesmo que praticamente todas as pessoas que conheci dentro e fora da universidade falassem inglês muito bem, o francês foi um grande diferencial para que eu me sentisse mais integrada à comunidade. A cada palavra aprendida, a cada olhar atento de novos conhecidos, fui percebendo que acolhimento é um traço da cultura canadense, e eu mesma notei que mais do que habilidades idiomáticas, estava aprendendo ainda mais sobre generosidade.
Já um pouco mais habituada à rotina da cidade, já era momento de abrir uma conta de banco. Conversando com brasileiros que já haviam morado em Sherbrooke (obrigada, Facebook!), descobri que os principais bancos eram o CIBC, Desjardin, RBC e BMO. Após algumas visitas para entender melhor o funcionamento de cada banco, optei pelo que melhor se encaixava no meu perfil, o CIBC, pois era o único que não cobrava taxas de manutenção, e também possuía uma gerente brasileira na agência do shopping Carrefour de l’Estrie. Devo enfatizar que entender mais sobre transações bancárias na minha língua materna foi ótimo, além de me permitir ter um novo olhar sobre algo tão corriqueiro no Brasil.
Após cerca de um mês morando com o querido casal canadense que me recebeu tão bem, já era hora de finalizar a missão do apartamento. Embora eu tivesse pesquisado possibilidades de moradia dentro do campus, os valores de quartos duplos eram mais elevados do que de apartamentos inteiros, além dos alunos não terem a opção de cozinhar a própria comida, sendo obrigados a contratar o plano de refeição da universidade.
Assim, pesquisei em alguns sites famosos de aluguel no Canadá, e, após muita procura e ainda mais visitas, foi através do Kijiji que encontrei o apartamento que foi meu lar durante a estadia canadense. Embora os contratos, em geral, durem um ano, expliquei para o proprietário a minha situação e ele fechou o contrato pelo tempo exato dos meus estudos. Já no preço estavam as contas de luz, água e aquecimento, sendo necessário ainda contratar o plano de internet. Igualmente, junto do apartamento, vinham alguns eletrodomésticos e móveis, como fogão, geladeira e mesa com cadeiras. Na ausência de cama ou colchão, um edredom que havia comprado na primeira semana se tornou meu leito por alguns dias, já que não foi tão simples encontrar colchão por um preço acessível.
Nessa época, as temperaturas já eram, em média, 7ºC, e como o aquecedor do quarto estava precisando de ajustes, as primeiras noites não foram as mais fáceis, mas eu sabia que tudo valeria a pena e busquei o máximo de aprendizado com cada experiência. Afinal, eu poderia não estar aquecida, poderia não estar em uma cama confortável, mas todas as dificuldades superadas sempre me mostraram que possuímos forças ocultas que nem imaginamos, além de servirem para valorizarmos ainda mais detalhes cotidianos que, muitas vezes, olhamos como garantido. Então, nessa situação, o aprendizado não seria diferente. Já na semana seguinte, com o aquecedor consertado e o colchão comprado, o frio do apartamento deu lugar ao calor de um lar e eu já me sentia ainda mais em casa.
Nessa altura, as aulas na universidade haviam começado, assim como a minha jornada de muito aprendizado, noites mal dormidas e superação.
Cotidiano universitário
Com o início das aulas, além da carga horária regular de 3 horas de aula, a existência das Office hours, ou seja, horas semanais que os professores dedicam ao atendimento individual dos alunos, fez toda a diferença para o melhor aproveitamento das disciplinas. Além de tirarem dúvidas sobre pontos específicos do conteúdo programático, esses encontros com os professores também podem ser úteis para traçar planejamento de estudos, encaminhamentos em relação aos projetos finais das matérias e uma oportunidade de diálogo mais próximo.
Durante meu período de estudos, pude realizar aulas de francês, na própria universidade, que melhoraram consideravelmente meu nível no idioma. Mas era o inglês, que eu já falava bem quando ainda estava no Brasil, a língua principal de minhas disciplinas. Aqui, preciso fazer uma observação importante. Por mais que tenhamos conhecimentos avançados da língua, estudar conteúdos em um idioma estrangeiro, em nível universitário, não é tarefa fácil. É preciso atenção redobrada e, às vezes, contar com a ajuda de colegas, que, de modo geral, sempre estão dispostos a ajudar. Essa foi a realidade acolhedora que encontrei na Bishop’s University.
Outra novidade que chamou a minha atenção em vista do novo cotidiano universitário foi a existência da Reading Week. No meio dos períodos acadêmicos, as aulas são suspensas durante uma semana para que os alunos possam se dedicar às leituras para as disciplinas cursadas e a outros projetos relacionados aos estudos. Embora tenha sido importante ter esse momento para colocar a carga de leitura em dia, foi uma oportunidade também de aproveitar mais o país em que eu estava. Nesse período, tive a oportunidade de fazer um “bate e volta” até a cidade de Montreal, a cerca de 1 hora de distância de Sherbrooke. Lá, por coincidência, encontrei vários outros alunos da Bishop’s com o mesmo objetivo: desconectar da pressão dos estudos e explorar novos territórios.
Também é importante falar sobre três pilares que foram fundamentais ao longo dos dias na universidade. No meu ano letivo, descobri que a Bishop’s oferecia academia gratuita e também uma piscina aquecida aberta aos estudantes. Inicialmente, achei interessante, mas confesso que foi só após o primeiro mês de aulas intensas que redescobri a importância da atividade física para a saúde mental em um contexto de internacionalização. Assim, contando com uma sala de musculação e diversos aparelhos de exercícios cardiorrespiratórios, minha rotina se viu mais leve com a entrada desses novos hábitos. Ainda interessante, mas não tão explorado por mim, são os esportes oferecidos pela universidade. Hockey e patinação no gelo, basquete e futebol americano são só alguns dos que pude conhecer um pouco mais durante meus estudos, mas que são supervalorizados pelos Gaiters, apelido dado aos alunos da Bishop’s University.
O regresso
Minhas aulas na Bishop’s University terminaram no fim de abril, mas minha passagem de volta para o Brasil estava marcada para maio. Isso porque eu me planejei para que, ao fim do período de estudos, pudesse conhecer outras cidades (canadenses e americanas). Devo destacar que essas viagens, que também só foram possíveis graças à mobilidade internacional, tiveram grande importância em meu enriquecimento pessoal e cultural.
Jamais poderia imaginar, lá no início, quando comecei a me programar para realização do intercâmbio, que um dia visitaria tan- tos lugares incríveis; que um dia conheceria tantas pessoas interessantes, cada uma com uma história de vida singular. Portanto, para além de todas as experiências acadêmicas vividas e pelas quais a mobilidade se fez relevante, devo dizer que os benefícios que a experiência de um ano no Canadá trouxe para minha formação como cidadã.
Indubitavelmente, assim como a arte, viver culturas e costumes diferentes é uma experiência de desautomatização. Sendo assim, ao entrar em contato com o não habitual, respeitando as suas diferenças, pude exercitar diariamente a minha percepção do outro, o que trouxe amplas reflexões e questionamentos, bem como um grande conhecimento pessoal e novos olhares sobre o mundo.
Pouco a pouco, percebi que o que aprendi e vivi jamais se apagaria de mim, e me restava incorporar esse aprendizado em meu cotidiano. Se hoje percebo minha consciência mais aberta em vários sentidos, com segurança posso dizer que devo isso à minha experiência de estudos e de vida naqueles encantadores meses que passei nas terras do Norte.