Como acabei me apaixonando pelo Brasil

Ester Monsonís Ferrer

Graduada em Ciências Ambientais pela Universitat Autònoma de Barcelona (Espanha).
Foi intercambista na UFF em 2016.

Oiii!! O meu nome é Ester, tenho 26 anos, sou de Barcelona e atualmente (2021), por causa da UFF, moro em Niterói. Porém, essa história começa em 2016: nesse ano eu estava no sexto período da minha graduação, a dois períodos de me formar, tendo que escolher o que queria fazer com a minha vida, pensando já no que queria fazer ao terminar a faculdade. Não há nada que gere mais medo em mim do que a incerteza: essa sensação de não saber o que fazer, de ter que escolher uma opção de vida. Ou seja, nesse momento eu estava decidindo o meu “futuro”.

Uma das opções era fazer um intercâmbio, mas ter mais de cento e cinquenta universidades para escolher só dificultava a minha missão. Eu só tinha duas certezas: não queria ficar na Europa, nem queria ficar menos de um ano. Foi aí que decidi reavivar um desejo antigo, estudar Biologia Marinha. Eu já tinha esse desejo quando prestei vestibular na Catalunha, a ponto de quase deixar a minha terra natal para estudar essa disciplina no Reino Unido. Então aí estava eu, em pleno período de provas, pesquisando dentre todas as universidades conveniadas, aquelas que contavam com um programa em Biologia Marinha. Até esse momento, não havia encontrado a UFF. Escolhi a primeira universidade que encontrei com programa em Biologia Marinha, era na Argentina e, para falar a verdade, nem lembro direito como eu escolhi as outras preferências, eram opções bem diversas e sem relação nenhuma entre elas: 1. Universidad de Buenos Aires; 2. Universidade de Passo Fundo; 3. University of Technology; 4. Høgskolen i stavanger; 5. Universidad Autónoma de Zacatecas; 6. Uni- versidad Michoacana San Nicolas de Hidalgo; 7. Universität Bayreuth; 8. Technische Universität Hamburg-Hamburg.

Quando acabaram as provas, saíram os resultados e soube que fui selecionada para Universidade de Passo Fundo (minha segunda opção). Mas nesse ponto eu só queria ir para Argentina! Porém a pessoa escolhida além de uma média melhor que a minha, tinha inclusive namorado argentino… Eu não tinha o que fazer! Sendo assim, rejeitei a vaga na Universidade de Passo Fundo porque mal sabia o que tinha escolhido, e “deixei a vida me levar” afinal, haveria uma nova rodada de chamadas para intercâmbio. Nessa rodada os alunos poderiam escolher entre as vagas que “sobraram”. Agora sim, com calma, fui pesquisando programa por programa e vendo já as disciplinas que eu puxaria em cada universidade. Aí foi que eu descobri a UFF e decidi que eu queria ir ao Brasil. Afinal, por quê ir para a Argentina se no Brasil eu poderia aprender um novo idioma?

E foi assim que o “perrengue” começou: eu sem falar uma palavra de português arrumando os papéis para poder passar pelo processo de seleção. Cabe destacar que ninguém da minha universidade tinha ido para UFF até o momento, era o primeiro ano de parceria entre as universidades, o que dificultava ainda mais os trâmites, já que eu não sabia quais eram os requisitos que eu precisaria cumprir exatamente até o período de seleção abrir. Eu estava no mês de fevereiro, a seleção começava em junho e, no caso de tudo dar certo, em agosto eu já teria que estar no Brasil. E foi apenas no período de seleção que recebi a notícia de que precisaria fazer um curso de Português, informação essa que não constava nos requisitos da minha universidade. Obviamente, fiquei desesperada procurando um curso de Português. Me inscrevi em quatro e todos foram cancelados por não chegar ao mínimo de alunos requeridos. Finalmente encontrei um curso on-line que abriram só para mim. Ufa!

Só soube que fui aceita para o intercâmbio um mês antes de viajar. Era o momento de correr para resolver todas as questões do visto de estudante, e ainda assim chegar a tempo de assistir ao curso intensivo de Português para estrangeiros que a UFF oferecia. Mesmo após muita correria, fui a última ou uma das últimas a chegar. Mesmo com as dificuldades consegui chegar! E ao ver o Rio de Janeiro desde o avião, me apaixonei.

Até agora nem falei o que eu estava estudando, eu fazia Ciências Ambientais na Universitat Autonòma de Barcelona. Também existe um curso de Ciências Ambientais na UFF, porém a grade curricular da minha universidade é bem diferente, e eu acabei puxando disciplinas de três campi (Praia vermelha, Valonguinho e Gragoatá) e sete faculdades diferentes. Abaixo as faculdades nas quais estudei e as disciplinas que cursei em cada uma:

  1. Engenharia: Engenharia e Meio Ambiente e Introdução à Meteorologia e Climatologia;
  2. Química: Introdução à Química Ambiental;
  3. Biologia: Instrumentação em Educação Ambiental, Ecossistemas Marinhos, Produtos Naturais Marinhos, Oceanografia Geral e Introdução à Biologia Marinha;
  4. Geografia: Estudos de Impacto Ambientais I;
  5. Letras: Língua Portuguesa para Estrangeiros;
  6. Física: Física das Radiações;
  7. Turismo: Esportes de Aventura e Turismo.

E ainda ia ao IACS para almoçar na barraquinha de fora. Adorei ter a possibilidade de poder estudar em tantas faculdades e além de tudo era muito agradável poder passear pelos três campi.

Os primeiros dias foram difíceis, eu tentava me fazer entender com o meu portunhol, mas graças ao programa de acolhimento da UFF, consegui conhecer os outros intercambistas que viraram, em um instante, os meus amigos e confidentes (não sei quem teve a ideia de criar o programa de acolhimento, mas realmente faz toda a diferença!!). Essa “rede” fazia possível que todos se ajudassem e foi essencial no início quando o intercambista deve realizar todos os trâmites burocráticos: tirar o CPF, conseguir um chip de celular, se registrar na Polícia Federal… Se não fosse pela rede que criamos, como alguém ia descobrir o que é o CPF??

Além de conhecer os outros estrangeiros, também ganhamos um padrinho, no meu caso a Meyre. Sempre atenta ao que eu precisava, me mostrou onde ficava o bandejão, onde ficava cada faculdade… (Se você está lendo esta história, convido você a se tornar padrinho de algum intercambista, fazendo bem pouco vai ajudar demais a uma pessoa perdida que acaba de chegar).

Enquanto as semanas passavam, mais eu me apaixonava pelo Brasil. Tudo me impressionava, TUDO aqui é gigante, prédios residenciais de mais de 30 andares (na minha terra um prédio de 8 andares já é um prédio alto), natureza exuberante, as árvores eram maiores que os prédios, micos na rua, eu não podia acreditar!! E foram as amizades que fiz nos primeiros dias que me levaram a acordar um dia no meio do mato em Maricá no VI Encontro de Meio Ambiente da América Latina. Violeta, italiana mestranda intercambista da UFF, me chamou para pegar uma carona com um estudante de Geografia da UFF que iria para o encontro. Lá encontrei pessoas de toda América Latina. Conheci o Jorge, de Valladolid (Espanha), que realizou intercâmbio durante a graduação no Brasil e se apaixonou ao ponto de ser hoje professor de Geografia na Universidade de Curitiba. E foi nesse ambiente de conhecimento e de descobertas que eu acabei me apaixonando perdidamente pelo Brasil e decidi que queria ficar.

Durante os primeiros meses, morando junto com duas espanholas também intercambistas (Patri e Cris) e fascinada por tudo que ia descobrindo, fui vendo também as pequenas (e não tão pequenas) diferenças entre o Brasil e a minha terra. A importância que tinha de aprender a pronunciar corretamente pão, que propina não tem o mesmo significado aqui e lá (na Espanha propina é gorjeta). E não ia só aprendendo outro idioma como também ia me adentrando em uma nova cultura, criando pequenos hábitos. Um exemplo: para agradecer ao motorista que parou o carro, na Catalunha, levanta-se a mão espalmada, quando no Brasil levanta-se o polegar, fazendo o sinal de “joinha”.

Outras coisas que me fascinaram foram as disciplinas, pois com elas conheci a diversidade marinha de Niterói (e do Brasil é claro) que era o meu desejo inicial. Realizei uma aula no costão rochoso de Itaipu e inclusive vi pela primeira vez tartarugas marinhas!!! Outras descobertas foram as aulas de esportes de aventura e turismo onde fiz pela primeira vez rapel e até acabei subindo o Pão de Açúcar. E também foi na UFF, no prédio de Geografia, onde conheci o Lucas, amor da minha vida. A gente se conheceu casualmente no corredor quando eu perguntei onde ficava uma das salas e acabamos conversando por horas.

Aprendi o que é a saudade, sentindo-a na pele ao ficar longe da minha família por um ano. E no final de agosto de 2017, com o coração apertado, quis voltar para a Catalunha, queria e precisava voltar inclusive. Cheguei à minha terra ainda nas férias de verão, aproveitando os últimos dias para matar a saudade dos meus amigos e da família, para em setembro começar o meu Trabalho de Conclusão de Curso, última disciplina para me graduar. Para “aproveitar” o tempo, acabei puxando práticas empresariais em uma consultoria química. Durante esse período, também quis tirar o Celpebras, exame oficial do Governo Federal Brasileiro para certificar proficiência em português como língua estrangeira. Na prova oral, após dizer que achava o Brasil muito conscientizado em nível ambiental, já que não é um hábito jogar o papel higiênico no vaso sanitário, a avaliadora caiu na gargalhada. Isso foi uma das coisas que no início demorei mais para pegar como um hábito, toda a vida jogando o papel no vaso é um hábito difícil de tirar.

Foi na volta a Barcelona, quando realmente comecei a perceber todas as coisas que tinha aprendido, morando por um ano no Brasil, um ano morando sozinha, longe de todos, em um país que não conhecia a língua nem a cultura, e logo o Brasil um país com uma mistura tão incrível.

Mas por que voltei? O que estou fazendo aqui?

Depois de quase dois anos, trabalhando na empresa onde comecei as práticas da faculdade, meu coração não aguentou mais (começou a apertar de novo) e decidi voltar ao Brasil. E voltei para um dos primeiros lugares que eu visitei, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Na verdade, foi a minha madrinha Meyre quem me levou, na minha primeira semana no Brasil, a conhecer o Jardim Botânico. Se não fosse por ela, sabe-se lá se eu teria conhecido o Jardim Botânico, instituição na qual estou realizando a minha pesquisa de mestrado em Unidades de Conservação. É bem verdade que desviei um pouco do caminho que tanto tinha desejado, o da Biologia Marinha. Porém, durante esta quarentena pude fazer diversos cursos de ilustração científica, e através desta tenho me reencontrado com o ecossistema marinho. E quem sabe, mais na frente, não vou me reencontrar com a UFF? Espero que sim.

OBS: Aaah! quase me esqueço de falar que revalidei o meu diploma na UFF, ou seja, tenho um título de graduação expedido pela UFF, sinto-me formada aqui também.

Até logo, Ester.

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