A mobilidade internacional mudou minha vida

Moisés de Jesus Ferreira Silva

Graduado em Relações Internacionais pela UFF.

Foi intercambista na York University (Canadá) em 2016.

Há seis anos eu estava embarcando de volta ao Brasil, repleto de boas lembranças e novos sonhos que começaram durante a mobilidade internacional. Quando ingressei na graduação em Relações Internacionais da UFF em 2011, uma das melhores do estado do Rio de Janeiro e do Brasil, tinha expectativas de que a universidade me levasse longe, mas não tinha noção de quantas experiências incríveis viveria. Fazer a mobilidade sempre foi um desejo que tive, mas no início da graduação eu ainda tinha muitas dúvidas e incertezas sobre onde queria ir e o que exatamente gostaria de fazer. Nas próximas linhas eu quero compartilhar um pouco de como a mobilidade não só mudou minha trajetória dentro da UFF, mas também fora dela nos anos seguintes após a conclusão do curso.

Até então, eu nunca havia saído do Brasil uma só vez. Comecei a avaliar as possibilidades e imaginava um destino que me permitisse combinar uma boa experiência acadêmica com atividades que amo fazer fora das salas de aula. Foi aí que surgiu o Canadá, aquele país “gelado” que muitas pessoas só associam a ursos polares e neve. Geralmente, o centro das atenções na América do Norte fica com o vizinho “de baixo”, Estados Unidos e o Canadá fica meio esquecido. Se o país esteve mais em voga nos jornais nos últimos anos, foi sob a narrativa de se descolar do governo do presidente americano Donald Trump. Sob um olhar superficial ambos os países apresentam muitas semelhanças, porém lhes garanto que uma observação mais cuidadosa deixa claro todo o conjunto de divergências. Foi enriquecedor conhecer mais de perto o Canadá durante os cinco primeiros meses que passei no país.

Parece clichê, mas lembro da viagem de ida como se fosse ontem. Decolei do Rio de Janeiro à noite, e as 19h que se seguiram, entre escalas e conexões, foram de muita ansiedade, pouco sono e expectativas. Cheguei e fui logo me dirigindo para o campus da York University em Toronto, minha residência e sede acadêmica nos meses que se seguiram. Procurei montar um currículo de disciplinas que me oferecesse perspectivas adicionais ao que já havia estudado nos primeiros dois anos na UFF. Minha grade no semestre de mobilidade focou em negócios internacionais, desenvolvimento econômico e as relações do Canadá com o Ártico. O fato de ser minha primeira viagem ao exterior, além de estudar um considerável período de tempo em outro idioma, me deixou em dúvida se conseguiria dar conta de todo o material. Porém, mal sabia eu que a UFF tinha me preparado muito bem.

A intensa carga de leitura, conhecida por todos nós que adentramos o ensino superior, além dos textos em língua estrangeira dos teóricos de Relações Internacionais, faziam parte da minha rotina cotidiana no campus do Gragoatá, onde assistia às aulas ministradas pelos professores do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST-UFF). Em termos de ritmo e conteúdo acadêmico, a UFF não ficou atrás de uma universidade de primeira linha em um país desenvolvido. Graças à minha prévia experiência na graduação, naveguei de forma muito positiva por todos os compromissos acadêmicos, provas e projetos. Fiquei feliz ao perceber que meu rendimento como graduando continuava de excelência, mesmo naquele novo ambiente multicultural.

Por falar em multiculturalidade, é impossível descrever minha experiência durante a mobilidade sem mencionar minha interação com pessoas de todos os cantos do mundo. O Canadá insere em sua população, anualmente, algumas centenas de milhares de imigrantes que chegam ao país para residir de forma permanente. Outros milhares chegam para passar um período temporário. São estudantes, pesquisadores e profissionais qualificados em diversas áreas que impulsionam a força de trabalho do país, fazendo a economia girar. Toronto, a maior cidade do país com seus mais de cinco milhões de habitantes, é a ilustração fiel desse cenário. Concentrando uma considerável parcela dos imigrantes e residentes temporários, a cidade e sua região metropolitana formam um dos locais mais multiculturais do globo, em termos de pessoas de diferentes nacionalidades e etnias convivendo no mesmo espaço urbano. É impossível caminhar nas ruas sem ouvir diferentes idiomas sendo falados, passar a temporada de primavera-verão na cidade e não “esbarrar” com diversos eventos e festivais, organizados pelas comunidades de cidadãos estrangeiros que agora consideram Toronto seu novo lar. Existem, inclusive, bairros dedicados a diferentes nacionalidades, onde é possível perceber um pouco mais como todos esses grupos compõem a identidade da cidade. Que eu me lembre, passei por bairros que concentravam comunidades da China, Coreia do Sul, Itália, Índia, Grécia e Portugal, esse último também incorporando a comunidade brasileira. Nossa comunidade é crescente em Toronto, e lhes garanto que não precisa fazer muito esforço para ouvir alguém conversando em português pelo centro da metrópole. Outra cidade que abriga diversos brasileiros é Montreal, maior cidade da província de Québec, território de influência e língua oficial francesa. Se Toronto é uma representação perfeita da multiculturalidade do Canadá, Québec está mais para “um país dentro de outro país”. Mesmo que carregue diversos elementos em comum com os demais canadenses, Québec faz questão de exaltar sua influência francesa e as características que tornam sua identidade única. Visitar a província foi uma grande oportunidade de praticar o idioma francês, que estava estudando desde o meu primeiro período na UFF, além de conhecer mais a fundo a história da colonização francesa na América do Norte. Há séculos atrás, antes que o Canadá fosse um país independente, Inglaterra e França travaram intensas disputas sobre o território. A cidade de Québec, hoje capital da província de mesmo nome, é por isso a única cidade murada das Américas, construída como uma verdadeira fortaleza para que a França resistisse aos ataques britânicos.

Essa incrível multiculturalidade também estava presente dentro da universidade. A York University é uma das maiores universidades do país e conta com uma vasta gama de estudantes internacionais, ou de ascendência estrangeira, em seu corpo discente. Minha melhor amiga dentro do campus era israelense e falava hebraico em casa com os pais, que são russos — aliás, por causa dela, em 2014 eu comemorei o Chanucá (festa judaica que acontece no fim do ano) e não o Natal, como geralmente faço. Tive colegas da Índia, Bangladesh, Dinamarca, Irã, Argentina e muitos outros países nas aulas e atividades que frequentei. Esses são só alguns exemplos de como a universidade que me recebeu era diversa. Acredito que juntar todas essas pessoas no ambiente acadêmico pode enriquecer muito o debate, principalmente em ciências humanas. Ajuda a trazer novos pontos de vista, perspectivas e elementos que, de outra forma, talvez não fossem contemplados na conversa. Essa era uma técnica utilizada regularmente por pelo menos dois professores meus — aliás, um deles era chileno. Foi muito positivo me juntar, toda semana, com um grupo de diferentes estudantes para debater o tópico e os textos em questão. Sem debate, é como se não tivesse aula, os diálogos davam o tom de cada sessão.

A disciplina sobre o Canadá e o Ártico me fez focar em assuntos que muitas vezes podem passar despercebidos num primeiro momento. Assim como o Brasil, o Canadá também foi colônia e seus povos indígenas e inuíte sofreram, e ainda sofrem, com a exploração de recursos naturais por terceiros e empresas privadas, carecendo da devida proteção do Estado. Da mesma forma que a nossa região amazônica é hoje um grande ponto de pressão entre o agronegócio e as populações locais, num grande debate sobre mudança climática e a necessidade de transitar rumo a um modelo de desenvolvimento alinhado com os limites do planeta, o gelo da região do Ártico se esvai ano a ano enquanto conglomerados de exploração de minerais, petróleo e gás tentam continuar suas operações de forma desenfreada. Esses projetos, muitas vezes, estão localizados próximos ou dentro de reservas indígenas. Porém, não apresentam ganhos ou benefícios significativos para a população local. Eu não tinha a dimensão desse debate até começar a participar das aulas e estudar alguns autores, de origem indígena inclusive. Se o mundo todo já sofre as consequências da mudança climática, o Ártico canadense está aquecendo a uma velocidade duas vezes maior que outras regiões do globo.

O ápice dessa disciplina foi quando a professora nos levou para uma conferência sobre o Ártico, que estava acontecendo em Toronto na época das nossas aulas. Assistimos a apresentações sobre diversos temas que discutimos em sala de aula, na perspectiva de acadêmicos, ativistas e membros da comunidade indígena, não só do Canadá, mas de outros países que compõem o Conselho do Ártico (principal órgão multilateral da região), como Finlândia e Suécia. Participar de todas essas atividades me inspirou a olhar com mais atenção temas de sustentabilidade.

Meu trabalho de conclusão de curso foi sobre a exploração de recursos naturais estratégicos na América do Sul e o papel do Brasil nos principais trâmites e articulações regionais sobre o tema. Depois da graduação, eu atuei numa organização não governamental que promove a agenda da sustentabilidade no setor privado e articulações com o governo para o fortalecimento dessa agenda no Brasil. Essa vivência específica da mobilidade me fez querer explorar mais a fundo todos esses temas e impactou diretamente minha carreira profissional. Mesmo não trabalhando diretamente com a agenda de sustentabilidade nos dias de hoje, o tema foi pauta nos meus projetos acadêmicos e voluntários durante a pós-graduação.

Por falar em carreira, não faltaram outras experiências inspiradoras. Tive a oportunidade de visitar a capital do Canadá, Ottawa, que fica na fronteira das províncias de Ontário e Québec. Entre os seus diversos prédios imponentes, sede da administração governamental, fica a residência oficial do Governador Geral do Canadá, representante da Rainha Elizabeth II – sim, o Canadá é fiel à Coroa Britânica, sendo o país uma monarquia constitucional onde o chefe de governo é Primeiro-Ministro e a chefe de Estado é a Rainha, sendo representada no país pela figura do Governador Geral. O que mais me chamou atenção na residência do governador, chamada de Rideau Hall, é o seu jardim. Lá, as árvores plantadas não estão ali por acaso. Cada uma foi colocada na ocasião da visita de um chefe de Estado estrangeiro ao Canadá. Em uma volta pelo jardim, é possível passar por árvores plantadas por figuras que marcaram a história, como Nelson Mandela, e até mesmo por um chefe de Estado brasileiro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi incrível caminhar por aquele espaço aberto, ler cada registro e imaginar as pautas discutidas durante a visita dos mais altos representantes de nações estrangeiras que por ali passaram.

Durante meu tempo em Ottawa, também pude conhecer o parlamento canadense, sede dos poderes legislativo e executivo, e caminhar pelas câmaras e espaços, que são o cenário cotidiano das discussões sobre as novas leis e políticas públicas que serão adotadas no país. A parte mais marcante da visita se deu na biblioteca, único espaço intacto que pertence ao conjunto arquitetônico original. Durante o início do século XX, o parlamento sofreu um incêndio e precisou ser reconstruído,

quase que por inteiro. A biblioteca, que por cuidado do bibliotecário da época em fechar as portas, mesmo diante da situação perigosa, conseguiu sobreviver intacta e preservar diversas obras clássicas originais em meio à tragédia. Um pedaço da história que não se perdeu e hoje está disponível a todos aqueles que visitam a sede do governo canadense.

Se até o início de 2014 eu não tinha uma ideia concreta do rumo profissional que desejava seguir após a graduação, a visita a Ottawa, os conteúdos estudados na York University, e todo o conjunto de experiências que a mobilidade acadêmica internacional pela UFF me proporcionou, foram eficazes em me conceder novas perspectivas e horizontes. Eu estava, então, decidido a seguir uma carreira pautada em temas de interesse público e organizações público-privadas ou sem fins lucrativos. Desde que retornei ao Brasil, essa foi a linha que segui. A experiência da mobilidade não só me ajudou a conseguir um estágio em Relações Internacionais assim que retornei ao Brasil, como também serviu para consolidar o domínio em uma língua estrangeira que é praticamente “pré-requisito” em diversas posições da minha área. A experiência de estudar em uma universidade estrangeira me encorajou a continuar os estudos e buscar novas oportunidades no exterior. Quase dois anos após concluir meu bacharelado na UFF, quando estava pensando em iniciar um mestrado na área de administração pública, o Canadá veio logo à tona. Eu tinha me apaixonado pelo país, sua gente, história e cultura. Não pensei duas vezes, me candidatei para alguns programas de pós-graduação em universidades do país. Fui aceito na minha primeira opção, Universidade de Saskatchewan e tive a oportunidade de enriquecer meu currículo acadêmico com mais um diploma e experiência em diversos projetos interessantes. Eu concluí meu mestrado na área de Administração Pública em 2020 e estou morando na província canadense de Saskatchewan desde então. Mais uma vez, durante o mestrado, tive certeza de que a UFF me preparou para o mundo. Se eu pude prosseguir meus estudos de forma produtiva e com alto rendimento, foi graças ao aprendizado e experiências que tive no campus do Gragoatá e na imersão que a mobilidade internacional proporcionou.

Desde que encerrei o mestrado, estou trabalhando na agência público-privada de Saskatchewan que promove as exportações dos produtos desenvolvidos na região. Antes disso, atuei por um ano na agência governamental de inovação. Sou muito grato à UFF, porque sei que só cheguei até aqui através de uma base acadêmica sólida. Se eu não tivesse participado do programa de mobilidade, não sei onde ou o que exatamente estaria fazendo hoje. Provavelmente não estaria morando em Regina, Saskatchewan, e finalizando esse texto num dia ensolarado de inverno – fazem incríveis -27 ºC lá fora. A mobilidade internacional realmente mudou o rumo da minha vida.

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