Minha rota da seda

Vitor Ierusalimschy

Graduado em Relações Internacionais pela UFF. Chefe no setor de Projetos

Educacionais na Superintendência de Relações Internacionais da mesma universidade.

Em face da criação do Confucius Classroom da UFF[1], tive o privilégio de ser convidado para participar do “Curso de Formação de Língua e Cultura Chinesa para Brasileiros”, do dia 13 de junho ao dia 12 de julho de 2018. Este ocorreu na cidade de Beijing, China. Conforme indicado em seu título, o curso em questão tratava não somente do ensino da língua chinesa em formato intensivo ao longo de três semanas, mas também incluía aspectos sobre a cultura chinesa, como história, música, vestimentas tradicionais, arquitetura e filosofia.

O curso foi oferecido pelo Colégio de Língua e Cultura Chinesa de Beijing (北京华文学院), cujas instalações têm por objetivo oferecer programas de ensino semelhantes ao por mim realizado, para alunos de todo o mundo, em especial descendentes de chineses em outros países. Esses cursos podem ser de curto prazo, como o oferecido ao grupo de brasileiros do qual fiz parte, ou graduações e pós-graduações completas, capacitando seus alunos enquanto professores de língua chinesa.

Integrar esse curso foi uma experiência transformadora, pois me ofereceu múltiplas percepções e perspectivas não somente sobre a sociedade chinesa, mas também sobre a realidade social brasileira e da nossa interação com o “outro”. Presenciar todas as riquezas culturais, naturais e arquitetônicas da China foi uma experiência inesquecível, porém, a mais valiosa, sem dúvida, foi constatar em primeira mão que as sociedades humanas, por mais múltiplas e diversas que sejam em suas histórias e estruturas, são na realidade muito próximas.

Sobre o curso

Ao chegarmos à China, fomos recebidos no aeroporto por um professor do Colégio de Língua e Cultura Chinesa de Beijing, responsável por nosso grupo. Consistíamos exclusivamente de brasileiros, de diversas áreas de atuação profissional, mas todos com alguma relação, interesse ou pesquisa com a China. Compostos por estudantes, professores, pesquisadores, funcionários do governo, coordenadores institucionais e membros de equipes administrativas de instituições de ensino superior, éramos um grupo muito diverso, unificados pelas nossas relações acadêmicas e profissionais com aquele país, e também pelo fato de termos sido todos imersos em uma cultura drasticamente diferente daquela com a qual estávamos habituados.

Fomos conduzidos ao colégio, que nos oferecia residência, alimentação, aulas e palestras ao longo do dia. Durante as manhãs, o grupo era dividido em três turmas para as aulas de língua chinesa, enquanto à tarde assistíamos conjuntamente palestras e oficinas sobre elementos da cultura chinesa. Nelas, conhecemos mais sobre vestimentas tradicionais, caligrafia, jogos típicos, literatura, organização governamental, entre outros.

Aula de língua chinesa no Colégio de Língua e Cultura Chinesa de Beijing
Além das atividades no colégio, foram também organizadas visitas a diferentes pontos turísticos de destaque em Beijing, e, após três semanas de curso, deixamos o colégio para conhecermos as cidades de Shanghai, Hangzhou e Suzhou. As experiências dessas visitas serão detalhadas na próxima seção do texto.

Nesse ponto, é necessário destacar a qualidade das aulas de língua chinesa ofertadas. Apesar das enormes diferenças entre a língua chinesa e a língua portuguesa, os professores fizeram um excelente trabalho em tornar o conteúdo acessível e de fácil compreensão pelo nosso grupo. Ao longo do curto tempo do curso, pudemos perceber que nossa compreensão da língua estava avançando: tornamo-nos capazes de nos comunicar de forma básica em estabelecimentos comerciais, aprendemos a nos apresentar e dizer nossa nacionalidade em língua chinesa, além de outros elementos perceptíveis rotineiramente. Certamente, a imersão completa na cultura chinesa também contribuiu para a presteza no processo de aprendizagem, mas é inegável que as aulas a nós oferecidas foram extremamente produtivas, bem estruturadas e de grande qualidade.

Relato de experiências

Além das valiosas experiências acadêmicas relatadas na última seção, é também necessário destacar as experiências fora do colégio. Estas foram, possivelmente, ainda mais enriquecedoras por conta do impacto que trouxeram em minha própria percepção de mundo. A imersão em um país de cultura milenar, com uma história e sociedade tão diferentes daquelas nas quais nos inserimos, é, de fato, uma experiência que relativiza muitos dos valores que consideramos intrínsecos e, assim, nos permite desenvolver, transformar e aprimorar noções de identidade, sociedade e coletividade.

Todos os dias, após as atividades do curso, utilizei de todo o tempo disponível para explorar a cidade de Beijing. Em alguns casos, com colegas brasileiros; em outros, acompanhado de colegas chineses, ou até mesmo sozinho. Mesmo que muitas vezes sem rumo definido, a cidade sempre oferecia novas e enriquecedoras experiências de descoberta.

Conhecer a cidade em seu cotidiano, em zonas residenciais e comerciais, utilizando-se do transporte público e, em muitos casos, contando com o auxílio de moradores locais para obter direções e orientações foi uma experiência extremamente valiosa. A cidade de Beijing, em sua enorme zona territorial, mescla construções modernas com templos antigos, pequenas ruas residenciais com grandes avenidas, o ritmo acelerado de uma megalópole global com parques e zonas arbóreas que exalam tranquilidade. Experimentar em primeira mão toda essa pluralidade foi por si só uma experiência inolvidável.

Jardins na Cidade Proibida, Beijing

Dessa forma, em minha memória estimo igualmente as experiências de visita a grandes atrações turísticas, como a Cidade Proibida, o Palácio de Verão e a Grande Muralha da China, e de experiências mais cotidianas na cidade, como as visitas a um restaurante tradicional com produção artesanal de alimentos e a um templo taoísta em Baiyunguan, por exemplo. Todos esses momentos foram essenciais para a formação da minha percepção sobre a cultura e sociedade chinesa e, assim, moldaram positivamente minha experiência.

Conforme citado anteriormente, em nossa última semana de estadia na China, o curso conduziu uma visita às cidades de Hangzhou e Suzhou, por dois dias cada, e a Shanghai, por três dias. Durante esse período, tivemos a oportunidade de conhecer mais profundamente as facetas tradicionais e modernas na China. Apesar desses aspectos serem constantemente perceptíveis em Beijing, a cultura milenar chinesa podia ser claramente percebida na cidade de Wuzhen, ao sul de Suzhou, onde canais perpassam a parte antiga da cidade, oferecendo um passeio em pequenos barcos tradicionais de madeira pelas ruas povoadas por pequenos casebres.

Já Hanzhou trazia um aspecto de equilíbrio entre as tradições e modernidade de uma forma palpável, porém em uma cidade de proporções menores que Beijing. As visitas às casas históricas e museus eram interpostas ao trajeto por meio de ruas modernas e integradas e regiões comerciais vibrantes. A percepção da permanência do respeito ao passado e tradições culturais em face da modernidade tecnológica foi premente ao longo de nossa estadia na cidade.

Por fim, a cidade de Shanghai trazia em constante exuberância todo o potencial tecnológico chinês. A maior cidade da China é composta por enormes arranha-céus, onde o desenvolvimento econômico e os avanços tecnológicos são ininterruptamente perceptíveis. As dimensões da cidade se tornaram ainda mais impressionantes em relação às experiências prévias, em que a antiguidade da cultura e sociedade chinesa estavam sempre presentes. Em Shanghai, respira-se inovação e modernidade, seja no topo dos enormes edifícios, seja nas ruas do centro comercial de Nanjing.

Panorama da cidade de Shanghai com barco turístico
Um fator digno de menção é que a cidade de Shanghai é cortada pelo rio artificial Huangpu, visto na imagem acima. Ele destaca a exuberância da fachada moderna e impositiva da cidade, composta por grandes edifícios, mas também a justapõe a uma parte mais antiga de Shanghai. O que desperta interesse é que na outra margem do rio, diante de toda modernidade e desenvolvimento econômico chinês expressados em suas construções, encontram-se prédios do período colonial deste país, em estilo arquitetônico notadamente europeu. A contraposição de estilos, períodos históricos e realidades sociais permanecem em minha memória, ao tornarem a moderna fachada da Shanghai de hoje uma demonstração do desenvolvimento do país, literalmente, perante o seu passado.

Reflexos das experiências sobre percepções socioculturais

As experiências relatadas neste texto buscam ilustrar não somente as atrações e belezas observadas ao longo de minha estadia no país, mas também aspectos observados da sociedade e cultura chinesa. Ao longo deste período, as interações com a população local foram extremamente valiosas. Em muitos casos, as grandes distâncias, tanto física quanto histórica, podem ser percebidas como fatores também de distanciamento social, mas a experiência vivida provou o contrário.

A interação com a população chinesa, desde professores e funcionários do colégio a comerciantes nas ruas, mostrou-me que não há distância que marcadamente divida a comunidade humana. Ao explorar a figura do “outro” em uma sociedade milenar, com um passado extremamente extenso e rico, localizada no outro lado do globo, acabei por encontrar uma noção mais próxima de nossa própria identidade, não como brasileiros nem tampouco chineses, mas sim como humanos.

A percepção de que, independentemente do contexto sociocultural, somos mais semelhantes do que pensamos ser possível é extremamente unificadora e reconfortante. A união e cooperação internacional se baseiam nessa realidade, onde, ao observarmos demais membros da comunidade internacional, não apontamos diferenças, mas sim encontramos semelhanças e juntos crescemos mais fortes. Ter o privilégio de viver essa experiência em primeira mão é algo que me traz extrema gratidão e consolida essa jornada como um ponto marcante da minha vida e formação enquanto indivíduo, com uma maior noção do coletivo e percepção de tudo que nos une.

Notas

[1] O Confucius Classroom da UFF foi oficialmente inaugurado em agosto de 2018, sendo a consolidação da parceria acadêmica entre a Universidade Federal Fluminense, a Universidade Normal de Hebei e o Centro para Educação e Cooperação de Línguas da China, com o objetivo de promover o ensino de língua e cultura chinesa, parte de projeto para aproximação cultural da China com parceiros estratégicos.

Skip to content