Cursos Internacionais de Verão na Universidade de Salamanca
Ully Hashimoto MayerhoferFoi intercambista na Universidad de Salamanca (Espanha) em 2016.
O desejo de estudar fora do país sempre foi um sonho. Aquela vontade de explorar o mundo e conhecer outras culturas me encanta desde a adolescência. A partir de então, busquei me dedicar ao estudo de idiomas estrangeiros, começando pelo inglês e logo me interessando também pelo espanhol.
Durante minha graduação na Universidade Federal Fluminense (UFF), diversos editais de mobilidade internacional foram disponibilizados, pelos quais me interessei muito e acreditei ser a oportunidade pela qual eu tanto esperava. Até que me inscrevi para o programa Top España Santander Universidades 2016 e, felizmente, fui aprovada. Assim, meu sonho começava a se tornar realidade.
Importante dizer que o sucesso não veio na primeira tentativa, mas persisti no meu objetivo e acredito ter obtido êxito no momento ideal da minha trajetória acadêmica.
O programa é fruto de uma parceria do Santander Universidades com instituições de ensino públicas e privadas, ofertando a oportunidade de mobilidade internacional através de um programa acadêmico de 03 (três) semanas na Universidade de Salamanca, na Espanha, buscando proporcionar o contato com a língua e a cultura espanholas.
Naquele ano, o processo de seleção foi composto por duas etapas, contemplando na UFF 07 (sete) alunos de graduação e 01 (um) professor da instituição. Dentre os critérios de seleção, constava a avaliação do desempenho acadêmico, a progressão curricular, o nível de conhecimento de língua espanhola e a trajetória acadêmica do candidato, bem como uma distribuição equilibrada das vagas entre os cursos da graduação.
O programa Top España concedeu naquele ano mais de 100 (cem) bolsas de estudo, distribuídas por diversas universidades de todo o país, para o período de 01 a 23 de julho de 2016. Os alunos e professores participantes eram dos mais variados cursos de instituições de ensino distintas, formando um grupo capaz de representar a diversidade do povo brasileiro.
Assim, após todo o processo seletivo e o período de preparação, o grupo de brasileiros se reuniu pela primeira vez em São Paulo, na Torre do Santander, para a cerimônia do evento de embarque, que precedeu a viagem. Nessa ocasião, todos os participantes receberam uma camisa e uma mochila do programa, bem como algumas orientações acerca do intercâmbio. Durante o evento, houve ainda a apresentação do depoimento de um participante na edição anterior, relatando suas impressões sobre a experiência que estávamos prestes a viver.
Após o evento, seguimos para o Aeroporto de Guarulhos para iniciar nossa jornada, com destino a Madri, onde fomos recebidos pela equipe da Universidade de Salamanca e partimos de ônibus para a cidade de mesmo nome.
A cidade de Salamanca é encantadora e pertence à região de Castela e Leão. Seu centro histórico foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), sendo considerada uma das cidades mais belas da Espanha. Ao passear pela cidade, é fácil se deslumbrar com seu charme e identificar construções no estilo gótico, renascentista e barroco.
Conhecida como cidade dourada, as fachadas parecem ser feitas de ouro em virtude do reflexo dos raios do sol na pedra Arenito de Villamayor, material utilizado em diversas construções, principalmente ao entardecer.
A Plaza Mayor de Salamanca é uma das mais bonitas de toda a Espanha, e realmente faz jus ao título. Um lugar central da cidade, rodeado por restaurantes, bares, cafés e confeitarias, geralmente com mesas e cadeiras ao ar livre, uma visita imperdível, durante o dia ou à noite.
A cidade tem ainda um tom de mistério, a partir de algumas histórias curiosas. Existe uma lenda sobre a fachada histórica da Universidade de Salamanca. A tradição conta que a pessoa que encontrar a figura da famosa rã conquistará boas notas nos estudos. Há quem diga ainda que essa pessoa sempre voltará a Salamanca.
Outro fato interessante é a existência de um astronauta esculpido na fachada da Nova Catedral de Salamanca, o que pode causar certa estranheza, já que se trata de uma construção antiga. No entanto, a explicação é simples: a escultura foi incluída na fachada durante o processo de revitalização da entrada norte da Catedral, que estava bastante danificada devido à ação do tempo. É uma espécie de tradição os restauradores incluírem novos elementos em seus trabalhos, como uma forma de deixar sua marca no local.
A Universidade de Salamanca é a mais antiga universidade da Espanha, tendo completado seus 800 anos em 2018. A universidade tem prédios por toda a cidade, contribuindo para criar a atmosfera universitária.
Há ainda um Centro de Estudos Brasileiros pertencente à própria Universidade, o qual tive a oportunidade de conhecer. Suas atividades são voltadas à pesquisa sobre o Brasil e a difusão da nossa realidade na Europa, bem como à divulgação da língua e cultura espanholas no Brasil.
Ao chegarmos a Salamanca, fomos direcionados ao Colegio Mayor de Oviedo, no campus Miguel de Unamuno, alojamento universitário onde fiquei acomodada durante o intercâmbio. O alojamento era muito limpo e organizado, contando com refeitório, biblioteca, sala de informática e lavanderia, sendo designadas 02 (duas) pessoas por dormitório. Minha companheira de quarto foi uma brasileira, de uma universidade diferente da minha.
Logo no primeiro dia de aula, participamos de uma reunião e fizemos uma prova de nivelamento no turno da manhã, pois as turmas seriam divididas por nível de proficiência em língua espanhola. Logo após, participamos da cerimônia oficial de inauguração dos cursos internacionais de verão da Universidade de Salamanca com um coquetel no Patio de Escuelas e, ao final do dia, houve a entrega dos resultados da prova de classificação. Nesse ponto, tive a grata surpresa de ter obtido uma boa pontuação, correspondente ao nível superior (C1).
O período dedicado aos cursos internacionais coincide com as férias dos alunos regulares da Universidade de Salamanca. Assim, a cidade estava repleta de estudantes das mais variadas nacionalidades, voltados principalmente ao estudo do espanhol e ao contato com uma nova cultura.
O início das aulas foi animador, estávamos todos muito empolgados. O curso de língua e cultura espanholas da Universidade de Salamanca era destinado a estrangeiros e a capacitação dos professores para receber alunos de diversos países era perceptível, sempre muito pacientes e disponíveis para nos auxiliar no que fosse necessário.
O curso era composto por duas disciplinas, língua espanhola era a parte obrigatória e havia algumas possibilidades de optativas. Minha escolha foi cultura espanhola, mas sinceramente todas as disciplinas me pareceram interessantes, tais como Conversação e Redação, Espanhol dos Negócios, História da Espanha e comentários de textos literários.
As aulas ocorriam de segunda a sexta-feira, começavam às 9h e encerravam às 12h, sendo 2 horas de gramática e 1h referente à optativa escolhida, com um intervalo de cinco minutos. As turmas eram pequenas e compostas por alunos de diversas nacionalidades. Os participantes ganharam mochila, livro, caderno e caneta, todos esses itens personalizados da Universidade de Salamanca.
Minhas aulas ocorriam no edifício Juan del Enzina, ao lado das Catedrais de Salamanca. O percurso que eu fazia todas as manhãs era como um passeio diário pelos prédios históricos, sendo a maioria pertencente à própria universidade.
Já na primeira semana, as professoras recomendaram a compra de um dicionário espanhol-espanhol, para nos habituarmos a compreender os termos desconhecidos sem a necessidade de tradução e buscarmos expandir nosso vocabulário. Assim, pude descobrir uma pequena e encantadora livraria, onde retornei alguns dias depois para novas aquisições.
Durante as aulas, estudamos bastante gramática e desenvolvemos nosso vocabulário, praticamos muito também a conversação. A aula era expositiva, com o uso do quadro branco e de apostilas distribuídas pela professora, com a participação ativa dos alunos.
Na aula de cultura espanhola, a professora costumava usar apresentações e outros recursos audiovisuais para falar sobre assuntos como gastronomia e festas típicas. Aprendemos também sobre a organização administrativa do país, com um breve estudo das comunidades autônomas, bem como dos idiomas falados na Espanha, como o catalão, o galego e o basco, além do próprio espanhol (ou castelhano).
Certa vez, uma das tarefas da aula de cultura espanhola foi fazer uma apresentação sobre os patrimônios da humanidade. O trabalho foi realizado em dupla e nos foi designado falar sobre Segóvia e seu aqueduto romano, onde tivemos a oportunidade de aprender um pouco mais sobre esse importante monumento através de um seminário.
Outra atividade interessante foi o concurso fotográfico, onde cada aluno deveria escolher uma foto tirada pelo celular que demonstrasse o que era a Espanha, produzindo ainda um breve texto explicativo. Infelizmente não ganhei o concurso, mas recebi alguns votos da turma e foi divertido.
Engana-se quem pensa que intercâmbio é só diversão, é muito importante aproveitar as aulas, fazer as tarefas e trabalhos, se empenhar nas avaliações, aproveitar todo o conhecimento e as oportunidades à disposição.
Um fato curioso é que cada aula era ministrada em uma sala específica, ou seja, os alunos deviam se deslocar a cada disciplina, sendo possível ocorrerem aulas até em prédios distintos. No Brasil, geralmente ocorre o oposto, cada turma possui uma sala e os professores se deslocam para ministrar suas aulas.
Ademais, os nomes hipocorísticos espanhóis podem parecer peculiares aos olhos de um estrangeiro, servem como um tratamento carinhoso, para denotar maior grau de intimidade, a exemplo da professora María del Rosario, cujo apelido era Charo.
No último dia, tivemos ainda uma aula de degustação de comidas típicas, como vinho, pão e chouriço, foi uma delícia. Logo após, houve a cerimônia de entrega dos certificados e, com muita alegria, recebi uma excelente nota (sobresaliente). O dia foi de despedidas, dos amigos e dos professores, daquela cidade encantadora, dos prédios históricos, do alojamento universitário e da Universidade de Salamanca.
Para mim, ficou claro que o aprendizado do idioma estrangeiro perpassa pela compreensão da própria cultura daquele povo, sendo importante e desejável seu estudo em conjunto.
A própria Universidade de Salamanca oferece visitas guiadas gratuitas pela cidade, cabendo ressaltar as Catedrais, os palácios salmantinos, os conventos e o edifício histórico da Universidade. Além disso, organiza também excursões para outras cidades e até para Portugal.
Universidade de Salamanca
Não poderia deixar de citar o incrível espetáculo de dança flamenca no Palacio de Congresos de Salamanca. A apresentação foi inesquecível, cheia de cores e energia, sendo inclusive uma atividade cultural sugerida pela própria Universidade.
Durante o período do intercâmbio, procuramos nos adaptar às características do local, a exemplo dos horários das refeições. Em geral, na Espanha o dia começa com um café da manhã por volta das 9h e o almoço costuma ocorrer apenas às 14h, por isso é comum fazer um lanche na chamada meia manhã, em torno das 12h. Normalmente, há um lanche da tarde, chamado de merienda, e o jantar ocorre a partir das 20h30min, podendo se estender até 23h.
Um costume local é a siesta, um descanso após o almoço que geralmente ocorre das 14h às 17h. Atualmente, as grandes lojas e estabelecimentos comerciais em áreas centrais não fecham, mas pequenos comércios ainda respeitam essa tradição. Em compensação, é comum encontrar lojas fechando somente às 22h.
O horário da siesta nos surpreendeu nos primeiros dias, quando encontramos algumas lojas e mercados fechados, mas passou a ser um ótimo período livre após as aulas e antes do almoço, podendo ser usado para estudo, descanso ou passeios pela cidade.
Como a residência universitária foi na modalidade pensão completa, ou seja, incluía todas as principais refeições (café da manhã, almoço e jantar), tivemos um contato direto com a gastronomia espanhola. Havia sempre muitas opções, inclusive com comida típica como a tortilla espanhola, além de frutas, laticínios e pães.
Durante a mobilidade acadêmica, foi possível visitar restaurantes e cafeterias para experimentar pratos da região, como gazpacho, paella, batatas bravas, churros com chocolate quente e jamón (espécie de presunto). Conhecemos também as famosas tapas, que são aperitivos servidos geralmente por restaurantes e bares, podendo ser frios ou quentes, acompanhados ou não de bebida alcoólica.
No verão, é muito comum o consumo de tinto de verano, geralmente uma mistura de vinho tinto, bebida gaseificada, frutas e gelo, já que a estação conta com altas temperaturas, que podem se aproximar dos 40 ºC.
A locomoção em Salamanca ocorre principalmente a pé, mas também dispõe de ônibus, táxi e trem. A cidade é tranquila e agradável, transmitindo uma sensação de segurança. Minha impressão sobre a população local foi boa, pois fui bem atendida em todos os locais que tive o prazer de conhecer.
Quanto ao acesso à internet, é possível adquirir um chip local, com preço acessível, permitindo o uso do celular para pesquisas, comunicação através de aplicativos e consulta a mapas.
Logo após o retorno ao Brasil, concluí minha graduação em Direito na UFF, passei na prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e me tornei oficialmente advogada, mas essa experiência acadêmica internacional me incentivou a prosseguir os estudos e a seguir buscando oportunidades em instituições de ensino renomadas, no Brasil e no mundo.
Acredito que o estudo de um idioma estrangeiro possa agregar qualidades a profissionais de todas as áreas. Em alguns ramos do Direito, o conhecimento de idiomas estrangeiros pode ser um grande diferencial, tais como Direitos Humanos, Direito Empresarial e Arbitragem, assim como em carreiras jurídicas como a Diplomacia.
Por experiência própria, posso relatar o uso do espanhol durante uma audiência de conciliação, na qualidade de conciliadora, em que a parte autora não era totalmente fluente em português e, por vezes, demonstrava insegurança quanto ao que estava sendo dito pelos demais na sala, sendo necessário o uso da tradução para facilitar a comunicação.
Além disso, o estudo da língua espanhola foi essencial para a breve pesquisa de Direito Comparado que desenvolvi durante a elaboração do meu trabalho de conclusão de curso da graduação acerca do instituto da sociedade unipessoal, na qual pude analisar e compreender a legislação de países como a Espanha.
Sinto-me muito privilegiada pela oportunidade de ter participado do programa Top España Santander Universidades. A concessão da bolsa e o período de duração do programa também foram fatores determinantes para a realização do intercâmbio.
Essa experiência trouxe muitos reflexos positivos, tanto pessoal quanto profissionalmente, me incentivando a expandir os horizontes e a acreditar nos meus sonhos.
Foram dias incríveis e tive a oportunidade de conhecer diversos locais históricos. A aventura acabou, mas a bagagem voltou cheia de histórias, amigos e sonhos, muito satisfeita e realizada pelos lugares que visitei, pelas pessoas que conheci e, principalmente, pelas experiências que vivenciei.
Assim, o presente relato busca contribuir para o reconheci- mento da importância das políticas de internacionalização e multiculturalidade, bem como inspirar outras pessoas a buscarem oportunidades de mobilidade internacional, pois acredito que o intercâmbio possa contribuir para o amadurecimento pessoal e profissional, promovendo o autoconhecimento, a autoconfiança e a autonomia do participante.