A minha experiência na UFF
Natália KováčováFoi intercambista na UFF em 2015.
Mesmo que seja originalmente da Eslováquia, estudei na Universidade Palacký em Olomouc na República Tcheca entre 2010 e 2017 (não fiquem confusos, o tempo regular de estudo universitário são cinco anos, mas eu fiz três intercâmbios no estrangeiro e por isso prolonguei esse tempo). Escolhi esta universidade por ser uma das melhores na área das línguas e em 2010 comecei a estudar a filologia inglesa e portuguesa com o objetivo de um dia ser tradutora ou professora. Terminei o meu bacharelado em 2014 depois de três anos na minha universidade e um ano de intercâmbio em Lisboa, Portugal. Quando comecei os estudos no grau de mestrado, no outono do mesmo ano, imediatamente sabia que queria estudar noutro país de língua portuguesa – com o maior número dos falantes desta língua – o Brasil.
A minha universidade original tinha contrato de intercâmbio com três universidades no Brasil, infelizmente a UFF não era uma delas. Comecei a pesquisa relativamente às minhas opções quanto ao intercâmbio e descobri que podia fazê-lo em qualquer universidade brasileira, desde que tivesse o programa para os alunos estrangeiros e eu lidasse com todos os requisitos e comunicação entre as instituições. Como ouvi falar bem da UFF, aceitei o desafio e entrei em contato com a Superintendência de Relações Internacionais. Todo o processo foi bastante rápido e simples e depois de ter submetido toda a documentação necessária para a universidade de origem e de destino, no final de dezembro de 2014, fui informada que a UFF me esperava em março do ano seguinte.
Até hoje me lembro muito bem do primeiro dia do semestre. Foi em 4 de março de 2015 e eu aterrei no aeroporto internacional do Rio de Janeiro umas poucas horas antes do acolhimento no Campus Gragoatá. Passei apenas uma hora no meu apartamento, deu para conhecer os colegas de casa e já estava na hora de ir para a UFF. Felizmente, a minha madrinha Luísa, que já me tinha contatado algum tempo antes da minha chegada, veio me buscar até a casa. Por este meio gostaria de agradecer a Luísa também por toda ajuda que me prestou durante a minha estadia em Niterói, principalmente na busca do alojamento, o que pode ser muito difícil quando a pessoa se encontra no outro lado do mundo. É importante destacar que o papel do padrinho ou da madrinha não consta em ajuda apenas nos assuntos relacionados a estudo, aulas ou universidade em si, mas também nos assuntos cotidianos como é busca de alojamento, orientação nos transportes públicos, funcionamento de instituições ou lojas e outros aspetos da vida em novo lugar.
O acolhimento do primeiro dia ocorreu muito bem e também deu para conhecer outros intercambistas de vários países. Agradeço aos funcionários administrativos da universidade que nos deram informações necessárias relacionadas às nossas obrigações burocráticas e administrativas após a chegada ao Brasil. Este primeiro contato com o pessoal da universidade e com outros alunos estrangeiros foi muito importante para todos nós — foi uma nova situação — alguns falaram pouco português e ver outras pessoas na mesma posição foi um momento de solidariedade.
Como já foi mencionado, na minha universidade de origem estudei filologia portuguesa e inglesa e vim para o Brasil para melhorar o meu português e aprofundar os meus conhecimentos na área.
Uma das grandes vantagens do intercâmbio foi a possibilidade de escolher as disciplinas que normalmente não são ensinadas na minha universidade de origem ou se sim, a forma e conteúdo são diferentes. O intercâmbio permitiu me educar em todas as três áreas principais ligadas ao estudo da língua – Linguística, Literatura e Tradução. Com este foco escolhi cinco disciplinas oferecidas no pro- grama do Departamento da Língua Portuguesa. Até hoje tenho boas lembranças das minhas professoras que gostaria de mencionar por nome nas seguintes linhas.
Stefania Chiarelli da Literatura Brasileira, com as suas explicações e discussões produtivas sobre as grandes obras brasileiras do Romantismo e Realismo, sempre trouxe ideias interessantes às aulas. A forma de não só ler, mas também analisar e pensar no que o autor escreve foi marcante.
Bethania Mariani da Linguística III e os temas diferentes da Linguística de enunciação analisados nas aulas e com excelente forma de explicar as coisas e temas até mais complicados.
Carolina Paganine da Crítica de Tradução que me “obrigou” a ler o clássico de Charles Dickens Grandes Esperanças em versões inglesa e portuguesa de vários tradutores brasileiros e analisar as abordagens de tradução do livro ao longo do tempo, professora muito exigente, mas ao mesmo tempo super organizada e orientada na área.
Flávia da Silva das Literaturas Africanas de língua portuguesa, que me abriu o mundo das realidades africanas, o ambiente e temas que influenciam os maiores autores contemporâneos da literatura africana de língua portuguesa. Suas análises e artigos que trazia às aulas foram superinteressantes.
Giovanna Cordeiro Campos de Mello da Introdução à Tradução que me mostrou o que realmente significa ser um tradutor. Conseguiu combinar a teoria com a prática, mostrando-nos os textos que tinha traduzido (sendo ela própria a tradutora) e quais foram os desafios ou perigos que podemos enfrentar ao fazer este trabalho.
Gostei de todas as professoras e aulas que escolhi, mas como já na altura via o meu futuro na área de tradução, gostaria de destacar o meu agradecimento às professoras Giovanna Cordeiro Campos de Mello e Carolina Paganine, cujas aulas foram excepcionalmente frutíferas e os materiais que trouxe do Brasil uso como as referências até hoje.
Mesmo que o semestre tenha sido marcado pela greve, as professoras fizeram todo o esforço para continuarmos a nossa educação de alguma forma. A maioria das minhas aulas continuou mais ou menos interrompida até junho e quando houve momentos que não foi possível ter as aulas presenciais devido à falta do acesso ao campus, as professoras sempre chegaram com uma solução, tivemos as aulas on-line ou até nos encontramos noutro lugar para podermos continuar no nosso trabalho e estar juntos em pessoa.
Se não me engano, o fim oficial do semestre devia ter sido em julho e a minha volta para a Eslováquia foi planeada para agosto. Devido à greve, houve disrupções no ano letivo e como o semestre foi oficialmente interrompido, tive de resolver a questão da minha avaliação final para poder voltar à Eslováquia e comprovar na minha universidade que concluí as disciplinas. De novo gostaria de agradecer às professoras acima mencionadas, que conseguiram me fornecer a avaliação final, baseada nos meus resultados parciais, trabalhos escritos e provas feitas nas aulas durante o semestre. Em agosto, voltei para a Eslováquia e todos os resultados foram reconhecidos. Mesmo com a greve, não acho que o semestre foi fácil, escolhi as disciplinas onde se esperava a participação ativa e tarefas feitas. Todos me trataram de forma justa, mas ninguém me desculpou por ser uma estrangeira e eu também nunca pedi esse tipo de tratamento. Se houve algum problema ou mal-entendido devido à barreira linguística, sempre perguntei ou pedi a explicação adicional. Por isso posso dizer que mesmo que não terminei o semestre de forma “tradicional” (sendo que as aulas voltaram apenas em novembro do mesmo ano), acredito que conseguimos fazer a grande parte do trabalho e conteúdo das aulas e as minhas aprovações foram merecidas.
Durante o intercâmbio na UFF, aprendi muito na minha área e tive a oportunidade de expandir os meus conhecimentos, conhecer professores, livros e materiais diferentes daqueles na minha universidade de origem. Este intercâmbio certamente contribuiu ao meu crescimento profissional na área de línguas, hoje já sou formada pela minha alma mater e trabalho na área de educação e tradução.
Como foi mencionado, já era fluente em português antes de chegar para o Brasil, porém foi o português de Portugal (oficialmente chamado de português europeu). Um dos meus objetivos principais, durante o intercâmbio quanto à língua em si, foi aprender e aperfeiçoar o português brasileiro. A imersão em língua não só nas aulas, mas também na vida cotidiana foi uma das melhores coisas. Subsequentemente decidi obter o CELPE-Bras, o certificado de proficiência conferido aos estrangeiros e o único oficialmente reconhecido no Brasil. Existem mais de 60 países pelo mundo onde se aplica e em 2017 viajei para Salzburgo, Áustria para obter o meu. Acredito que foi também graças ao intercâmbio na UFF que o concluí no nível “avançado superior”, que é o nível mais alto que se pode obter.
Fora da aprendizagem da língua, cheguei com o segundo grande objetivo – a pesquisa prática para a minha dissertação de mestrado sobre a história e presença da imigração tcheca e eslovaca no Brasil. Porém não foi em grandes números (assim como no caso dos italianos, portugueses ou japoneses), houve grupos de eslovacos e tchecos que se instalaram no Brasil e alguns deles tiveram histórias muito interessantes. Ainda antes da minha chegada para o Brasil, pesquisei os descendentes das famílias de imigrantes no Rio de Janeiro e em São Paulo. Conheci também muitos imigrantes da “nova geração”, pessoas entre 30-50 anos e analisei os motivos da sua imigração para o Brasil. Trouxe muito material interessante e os livros que não tinha conseguido comprar na Europa e a minha dissertação foi aprovada com a melhor nota possível.
Além das aulas e aspecto educativo, o intercâmbio certamente serve para aprender sobre nós mesmos, sobre a cultura, tradições e comportamentos noutro país. No meu caso, este foi o segundo intercâmbio durante os meus estudos universitários, por isso vim muito animada e já com algumas ideias na cabeça sobre o que me esperava. Noutro lado, depois do primeiro intercâmbio em Portugal esta vez foi diferente sendo muito longe de casa e fora da Europa onde costumava viajar e me considerava familiar com as nações e culturas de lá.
Neste caso não foi só o intercâmbio no país longe de casa, mas também foi a minha primeira visita ao Brasil (e felizmente posso dizer que não foi a última). A minha grande vantagem foi que a essa altura já falava português, mas mesmo assim demorou algum tempo até me adaptar ao “carioquês”. Falar a língua local foi a grande ajuda no meu dia a dia, lidando com as autoridades, o departamento de imigração da polícia, os correios ou com os funcionários nas lojas. Sendo estudante das línguas, estive em contato com muitos alunos que falavam inglês, mas mesmo assim eu preferia falar português para praticar a língua e poder entender melhor a gíria local.
Tive sorte de conhecer pessoas muito interessantes – estrangeiras e locais – muitos dos quais continuam sendo os meus amigos. Até hoje penso, de vez em quando, nas noites na Cantareira, ouvindo a música brasileira e falando com os amigos de vários países do mundo. Para mencionar alguns nomes, nunca esquecerei Lena, uma menina americana que se tornou a minha melhor amiga durante a nossa aventura no Brasil. Três anos depois, ela me visitou no Porto em Portugal onde vivia e falámos carinhosamente dos nossos tempos em Niterói.
Não posso deixar de mencionar os meus amigos colombianos, Juan Pablo e Geraldine. Também tivemos sorte de “reviver” os momentos alegres e, em 2019, visitei Bogotá e saímos juntos!
Além disso compartilhei o apartamento com dois meninos sul-americanos, peruano e argentino, fiz boas amizades com os alemães, japoneses e americanos.
Fico muito feliz por poder dizer que também fiz muitos amigos brasileiros – nas universidades europeias é muito mais comum que os alunos estrangeiros se tornem amigos entre si e ficam um pouco fora do grupo dos alunos locais. Isto me aconteceu em Portugal e tive esta expectativa realista também quando vim à UFF. Felizmente, fiquei errada. Pode ser também graças ao fato que não há assim “tantíssimos” alunos estrangeiros (o que acontece nos programas de intercâmbio na Europa), eu fui bem acolhida em cada grupo de todas as disciplinas que frequentava. Tenho de dizer que as professoras acima mencionadas também expressaram grande interesse em mim, perguntaram sobre a minha origem, passatempos, universidade, e fizeram o esforço de me conectar com os outros alunos e me envolver nas conversas, não só dos assuntos das aulas, mas também nos diálogos sobre a vida cotidiana antes ou depois das aulas. Graças a esta abordagem, me senti incluída e apoiada pelos colegas. Até hoje mantenho contatos com vários alunos da UFF pelas redes sociais.
Outra curiosidade é que durante a minha estadia em Niterói me reuni com algumas amigas brasileiras que conheci em 2012, durante o intercâmbio em Lisboa – foram elas que me falaram bem da UFF!
Além das aulas, também tive sorte de poder participar em eventos culturais, por exemplo os debates do Cine. Como amo viajar, no meu tempo livre (e aproveitei também das férias devido à greve) me dediquei às viagens. Como o Brasil é um país enorme e não se limita apenas ao Rio de Janeiro, o meu objetivo foi conhecer várias “caras” do país e acho que consegui isso com sucesso. Viajei pelo país sozinha por três semanas e visitei 12 lugares. Costumava sair com as pessoas da rede social chamada Couchsurfing que reúne os viajantes e locais. Foi há 6 anos, mas até hoje mantenho contatos com alguns desses brasileiros também. Durante a minha aventura de três semanas, vi lugares no Sul do Brasil (Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, São Paulo), no interior (Goiânia, Brasília), no Nordeste (Salvador, Maceió) e também vi as belezas fluminenses como a Ilha de Paquetá e Petrópolis.
Por tudo, a minha experiência na UFF e no Brasil me marcou positivamente em todas as formas possíveis. Além do crescimento acadêmico, criei um laço com a cultura brasileira e sempre que posso, volto ao país pelo menos nas férias. Por este meio gostaria de agradecer à Universidade Federal Fluminense pela oportunidade de estudar no Instituto de Letras e aproximar-me da vida universitária no Brasil.