Minha história com a UFF
Jinyu XieProfessora de Língua Chinesa no Confucius Classroom na UFF.
O primeiro contato com a UFF
Meu primeiro contato com a UFF foi a participação do Programa de Universalização em Línguas Estrangeiras (PULE) como professora de chinês no ano letivo de 2017. Naquela época, tinha chegado ao Brasil há pouco tempo e não conhecia nada sobre a universidade. Ainda me lembro de que, no primeiro dia de aula, cheguei cedo na UFF e fiquei passeando no campus do Gragoatá. Foi um dia muito lindo. A árvore enorme e antiga em frente à biblioteca me fazia sentir dentro da natureza. Continuei caminhando, até chegar ao mar com uma vista maravilhosa da ponte Rio-Niterói, junto com as flores roxas em frente da parede azul, onde o nome da UFF brilhava no raio de sol. Como era ainda cedo, o campus estava vazio e só tinha eu dentro desse cenário de grande beleza, abraçada pela natureza e pelo sol de manhã do país tropical.
Quando entrei no prédio, a professora Telma me deu um sorriso caloroso de boas-vindas, muito educada e carinhosa. Tinha mais de quinze alunos na minha turma, provenientes de cursos muito variados. Era minha primeira vez a dar aula para alunos universitários brasileiros, todos da minha idade ou até mais velhos que eu. Não sabia naquele dia que essa turma era um grande presente que o Brasil me deu, que ia me acompanhar nos próximos quatro anos.
Uma grande impressão que esse grupo de alunos me deixou é que os estudantes universitários brasileiros são muito pensativos e argumentativos. Os conhecimentos deles vão muito além dos livros de sala de aula, chegando na sociedade onde vivemos. Em comparação, eu, uma mestra da universidade chinesa, conhecia tão pouco sobre o mundo fora da minha área e da universidade. Me sentia mais como aluna do que professora, absorvendo as informações e modo de pensar dos meus alunos enquanto compartilhava meus conhecimentos sobre a China. Essa troca de ideias, às vezes, se prolongava até o final do dia, quando decidimos fazer passeios pelo Rio ou Niterói. Tinha poucos amigos brasileiros naquela época e esses passeios com a turma iluminavam meus dias no Brasil.
Aproximar a UFF
A partir de 2019, ou seja, meu terceiro ano no Brasil, entrei na UFF oficialmente como professora de chinês no Confucius Classroom na UFF. Antes passava só sábado de manhã no Gragoatá, agora fico seis dias da semana entre o escritório e as salas do Centro de Línguas. Além de dar aula, também consegui a oportunidade de assistir a algumas disciplinas. Isso me fazia muita falta porque não aguentava uma vida sem conhecer algo novo nem progresso acadêmico. Desde então, ficava trocando de papel de professora e de estudante constantemente. Trabalhar em pé como professora me fez valorizar muito mais a oportunidade de adquirir conhecimentos novos do que sentada como aluna, ao mesmo tempo ser estudante me ajudava entender melhor as expectativas dos alunos em relação a uma boa professora e de que maneira posso melhorar nas minhas próprias aulas.
Cursei duas disciplinas com a professora Cirlene com o tema de Português para estrangeiros, só que uma era destinada aos estudantes estrangeiros e a outra era para os estudantes brasileiros que desejavam ser professores de Português para estrangeiros. Uma grande diferença que percebi entre os cursos de Letras do Brasil e da China é que o do Brasil é mais formativo e o da China instrumentativo. No caso do Brasil, a tradição acadêmica europeia é bastante forte e o objetivo da universidade é incentivar os estudantes a pensar e pesquisar. No caso da China, com o rápido desenvolvimento da economia e sociedade, e a expansão da China no mundo, surgiu uma enorme demanda de pessoas que falam línguas estrangeiras. Nesse contexto, habilidades como pensar e pesquisar não são muito destacadas no curso de Letras, porque a maioria dos formados em língua estrangeira não trabalha na universidade ou escola, mas em grandes empresas ou bancos. Não quero julgar qual formação é melhor ou pior, porque cada tipo de formação deve adequar-se ao próprio contexto histórico-social e atender as necessidades de cada país. No meu caso, sentia muita dificuldade em ler artigos acadêmicos em grande quantidade e produzir textos acadêmicos seguindo rigorosamente as regras, porque era algo que nunca existia na minha formação na China.
No mesmo período, iniciei a preparação do processo seletivo para doutorado em Estudos de Linguagem da UFF. Como já mencionei, a formação de Letras na China é bem diferente do Brasil, por isso tinha de estudar as teorias de linguagem praticamente desde zero. Muitas teorias só tinham ouvido de nome, porque meu mestrado concentrava-se nas práticas de sala de aula e não nas teorias de base. Nunca tinha escrito um artigo do modo “brasileiro” nem conhecia as normas da ABNT, que pareciam um grande livro que nem sabia de onde começar. Também, só nessa época, ouvi dizer do Currículo Lattes pela primeira vez e não sabia o que era para colocar porque participei de muito poucos eventos acadêmicos na China. Senti que era a iniciação científica que tinha de fazer, não o doutorado.
Se minha formação na China contribuiu para meu ingresso no doutorado, foi a determinação de estudar e a habilidade de memorizar uma grande quantidade de conhecimento em muito pouco tempo. Consegui terminar meu anteprojeto em um mês, seguindo o formato de outros artigos que encontrei com temas parecidos. Acabei com cinco livros fundamentais para as teorias de linguagem no outro mês, preparada para fazer a prova. Sobre o mesmo tema ou fenômeno linguístico, tentei procurar livros escritos pelos autores chineses que oferecem mais exemplos em língua chinesa. A preparação para o doutorado foi uma experiência muito proveitosa e recompensadora, através do qual comecei a conhecer as pesquisas científicas do Brasil e entender melhor a sociedade brasileira. Consegui passar na prova e tornei-me uma uffiana de verdade, com os primeiros passos entrando no mundo acadêmico ocidental.
Pesquisar na UFF
Mesmo que já tenha morado no Brasil há três anos, até a hora que entrei no programa de doutorado, vivia dentro de uma bolha ideológica chinesa. A vida no Brasil transformou muitos atos meus do dia a dia, mas enquanto os pensamentos ou crenças mais profundas continuavam sendo inalteráveis. Talvez pelo fato de ser uma professora de chinês do Instituto Confúcio, a “representante” da China no exterior, meu instinto é sempre defender o meu país a qualquer custo. Às vezes ficava com muitas dificuldades em justificar minhas ideias por falta de informação ou conhecimento, então criei o costume de tentar evitar os assuntos políticos nas conversas com os brasileiros.
Quando iniciei as aulas de pós-graduação, encontrei muitos conceitos e ideias que contradizem o que tinha recebido da China. A minha primeira impressão é que o mundo acadêmico ocidental gosta muito de criticar, porque não teve nenhuma aula que os professores ou alunos não estavam criticando política ou sociedade. Isso também foi o primeiro comentário do meu orientador Xoán sobre meu projeto, que estava faltando críticas mas cheio de exaltação. Foi algo que até naquele momento nunca tinha percebido, porque era uma característica típica nos textos acadêmicos chineses que sempre pensei que era normal.
Com a ajuda dos professores e dos grandes pensadores nos livros, muitas ideias “normais” estavam desconstruindo na minha cabeça. Comecei a entender um pouco o sentido de pesquisa científica, que é afastar do senso comum para procurar a verdade. As críticas não são simplesmente críticas, mas a vontade de pensar independentemente e tentar chegar às verdades apesar das influências ideológicas inevitáveis da sociedade. Minhas ideias eram tão presas nas limitações de senso comum que não sabia que era possível duvidá-las até superá-las. É a maior lição que aprendi no meu primeiro ano de doutorado.
Com esse tipo de pensamento, tentei mudar do meu papel de “representante” da China para a pesquisadora dos assuntos da China. Não fico mais chateada com as críticas de ignorância nos jornais ou preconceitos dos alunos contra a China. Procuro entender porque os brasileiros pensam assim e porque a China funciona do outro jeito e pode (ou não) dar certo. Não evito mais falar dos assuntos sensíveis sobre a política na minha sala de aula, mas início as discussões e ofereço uma perspectiva chinesa. Os assuntos não são mais certos ou errados, porque tudo depende do ponto de vista e da abrangência das informações que conseguimos obter. Para defender incondicionalmente a China, para aceitar todos os tipos de opiniões e pensar ativamente em base neles, estou muito orgulhosa com meu progresso intelectual.
Conhecer os pensamentos ocidentais também não significa derrubar tudo que tinha aprendido na China. A crença chinesa é a raiz cultural que me sustenta no meio de todas as correntes acadêmicas ocidentais. Desde o momento que tentei ingressar no programa de pós-graduação no Brasil, sempre sabia que minha maior vantagem seria minhas vivências na China, que me possibilitam pensar diferente do que todo o mundo e que sempre me oferecem uma outra escolha. Enquanto tento crescer para cima com os novos conhecimentos ocidentais que aprendo no Brasil, também é importante pesquisar e entender melhor a cultura chinesa para que minha raiz possa crescer continuamente para baixo, fortalecendo minha identidade. Acho que essa experiência é algo comum entre todas as pessoas que moram fora do seu próprio país: quanto mais fica numa outra cultura, mais sente necessidade de conhecer sua origem e afirmar sua identidade. A diferença nunca é o problema, mas o importante é conciliar várias culturas que convivem dentro de uma pessoa e encontrar o equilíbrio entre elas.
Se viver em outro país com língua e cultura diferentes já pode mudar uma pessoa, fazer pesquisa em Ciências Humanas no exterior onde a ideologia é distinta do país de origem desperta uma revolução profunda nas crenças e concepções do mundo. Fico muito feliz por poder experimentar essa transformação que poucas pessoas têm essa oportunidade e estou desfrutando cada confronto de ideia e cada nova possibilidade que pode existir. Acredito que isso é o objetivo final da mobilidade acadêmica internacional: conhecer diferentes visões do mundo e criar uma comunidade de ser humano onde todas as perspectivas são valorizadas e todas as possibilidades são bem-vindas.