Da UFF para a Europa

Fernanda Angelo Pereira

Graduada em Matemática pela UFF.

Foi intercambista na Universidade de Aveiro (Portugal) em 2014.

A intercambista

Sempre gostei de Matemática. Desde a escola me destacava por me dar bem com a disciplina e tirar boas notas. Ao mesmo tempo, nunca pensei em me tornar uma professora de Matemática, apesar de sempre gostar de ensinar aos colegas com dificuldades o conteúdo das lições assim que terminava de fazer o que era pedido pelo professor. Ainda no ensino médio, comecei a dar aulas particulares a alunos mais novos e cada vez mais ia gostando de ensinar.

Atualmente, moro no interior do Rio de Janeiro, mais precisamente na cidade de Santo Antônio de Pádua. Aqui há um campus da Universidade Federal Fluminense (UFF), o Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior (INFES) que há mais 35 anos oferece um ensino superior de qualidade à população da nossa localidade. Nos primeiros 25 anos, havia somente o curso de licenciatura em Matemática e nos últimos anos o campus se tornou referência na formação de professores na região incluindo licenciaturas em Física, Pedagogia, Educação no Campo, Ciências Naturais e Computação.

Ainda no meu último ano do ensino médio, eu ainda nem sabia o que era uma universidade. No tempo de escola primária, eu estudava na instituição onde a UFF se instalava em Pádua antes de ter seu próprio prédio. Não tinha o conhecimento do que significava ter uma universidade pública gratuita e de qualidade bem na minha frente e até hoje muitos jovens daqui não sabem. Fiquei sabendo o que era a UFF pela minha irmã mais velha, que também começou a estudar na UFF naquela época e me disse que eu poderia estudar lá também. Para nós duas era uma coisa de outro mundo, pois em nossa família, ainda não conhecíamos ninguém que tinha o ensino superior.

Ao me inscrever no vestibular para o ingresso no ano de 2011, só poderia escolher um curso o qual eu mais me identificava. Nem de longe eu poderia esperar o que estaria por vir assim que consegui a vaga para ser uma aluna do curso de Licenciatura em Matemática da UFF.

Ao longo do curso, busquei uma formação que pudesse agregar os conhecimentos específicos e pedagógicos da universidade com os conhecimentos práticos provenientes dos estágios curriculares obrigatórios e pela participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Além disso, me envolvi em diversos projetos oferecidos pelo Instituto, participei de eventos promovidos pela universidade e fora dela.

Vivenciar o cotidiano escolar, agora na visão de um professor, fez com que eu percebesse a importância da educação e como ela vem se conduzindo ao longo do tempo. As dificuldades da escola, dos professores, dos alunos ao lidarem com as situações do processo de ensino–aprendizagem, me permitiram colocar os pés no chão e aproximar-me da realidade educacional do município, o qual se assemelha com as realidades de tantas outras escolas de outras cidades.

Todas essas experiências culminaram na minha vontade de participar de um intercâmbio estudantil assim que eu tivesse a primeira chance. De certa forma, eu queria aproveitar e participar de tudo o que uma universidade poderia me proporcionar de forma a contribuir tanto com a minha formação quanto com a minha vida pessoal. Participar de um intercâmbio em outra realidade diferente da que eu vivia, me possibilitaria enxergar novas perspectivas educacionais, de acordo com a cultura, linguagens e com o modo de viver de outra sociedade.

Assim que eu soube que a UFF promovia a participação de alunos em intercâmbios dos mais diversos tipos em várias opções de lugares, eu senti que uma oportunidade dessas seria minha.

O intercâmbio

No primeiro semestre de 2014, consegui a minha chance. Meu intercâmbio foi o resultado de uma parceria entre a UFF e o banco Santander, onde foram selecionados 10 alunos para cursar um semestre em universidades portuguesas. Eu fui selecionada para estudar na Universidade de Aveiro (UA) em Aveiro, Portugal.

Foi a minha primeira viagem internacional e de avião. Chegando em Portugal, antes de eu ir para Aveiro, fiquei uns dias em Lisboa na casa de uns missionários cristãos, conhecidos do pastor da igreja que congrego na minha cidade. Esses dias em Lisboa foram os meus primeiros contatos com a cultura portuguesa, que de maneira especial me foi apresentada por brasileiros que entendem a visão de um forasteiro.

Lisboa realmente é de tirar o fôlego, minha primeira impressão de Portugal não poderia ser melhor. Apesar do frio intenso do inverno europeu de meados de fevereiro ao qual eu não estava acostumada de jeito algum (temperaturas bem próximas de 0ºC), ainda sim a beleza da arquitetura, as paisagens e as pessoas eram fantásticas.

Mesmo me preparando e estudando sobre a cultura portuguesa, nada se compara a prática. Primeiro o idioma, apesar de ser o português, quase não entendia o que os portugueses falavam nos primeiros dias, pois realmente o sotaque é bem diferente, além de haver palavras que eu não conhecia e significados diferentes. Segundo, o dia a dia, lidar com dinheiro, se relacionar com pessoas de universos culturais diferentes, digo isso não só em relação aos portugueses, mas também às outras pessoas de diferentes nacionalidades que era fácil de encontrar pelas ruas, nos centros comerciais etc.

Percebi que diferente de nós, brasileiros que somos bem acalorados, os portugueses são mais “frios” distantes, ficando mais “na deles”, são de pouca conversa para falar a verdade. Notei também que o euro, a moeda local, é bem valorizada, podemos comprar muitas coisas com pouco dinheiro. Assim que comecei a comprar as coisas, ficava sempre convertendo os valores para reais e imaginava o quanto eu estava gastando de dinheiro. Logo me aconselharam a não ficar fazendo essas conversões, senão eu acabaria não comprando nada.

Passeando por poucos lugares em Lisboa, notei o quanto do mundo ainda precisava conhecer, mais pessoas diferentes, mais culturas, mais experiências.

Passados esses dias em Lisboa, peguei um trem rumo a Aveiro. Minha primeira experiência ao andar de trem foi maravilhosa. As paisagens exuberantes, castelos, mar, cidades do interior, tudo era como uma pintura para mim. Além de toda a segurança e conforto que tal transporte pode proporcionar, tinha certeza que faria mais passeios por Portugal aproveitando as maravilhas de andar de trem.

Em Aveiro, aluguei um quarto para eu ficar por meio de um site da internet, num local próximo à Universidade. Mesmo com receio de dar alguma coisa errada, pois havia uma certa probabilidade, assim que eu cheguei na estação de Aveiro consegui me comunicar com a pessoa responsável por um telefone público, peguei um táxi e cheguei ao local. Era um prédio antigo, numa rua com vários prédios iguais. Estava chovendo bastante e uma das meninas da república veio me receber. Para a minha surpresa era uma brasileira, assim como a sua amiga com quem compartilhava um dos quartos. As duas também estavam dividindo a mesma experiência que eu, só que eram de outra universidade brasileira. Nessa república, havia ainda outras duas mulheres portuguesas (uma delas era aluna da UA) das quais me tornei colega e consegui conhecer mais sobre a cultura portuguesa em muitas conversas que tive oportunidade de ter.

Assim que consegui me estabelecer no apartamento, fui ao mercado a fim de providenciar comida e tudo mais. Notei que a alimentação que eu estava acostumada a ter no Brasil não seria a mesma em Aveiro, pois muitos itens eram bem caros, pois eram importados direto do Brasil e outros nem tinham muito ou eram escassos. Havia itens de marcas que eu já conhecia e outros que eram uma novidade para mim. Aproveitei a oportunidade para me permitir experimentar coisas novas.

Resolvidas essas coisas, foi a vez de conhecer a universidade em que iria estudar pelos próximos seis meses. A Universidade de Aveiro é uma verdadeira obra de arquitetura. Com traços retos e modernos, os espaços amplos, iluminados, com pinturas abstratas nas paredes e um clima de recepção bem amigável, me senti pequena no meio da grandeza de tal instituição. Logo esse sentimento foi substituído por um sentimento de acolhimento, pois além de mim e das minhas colegas de apartamento, havia dezenas de estudantes de outros países que também embarcavam no intercâmbio da UA.
Como seria um semestre inteiro, eu deveria cursar disciplinas que fossem do meu interesse profissional e pessoal, além de contribuírem para meu curso em andamento na UFF. Assim, escolhi as seguintes disciplinas: Didática e Tecnologia da Matemática, Matemática Discreta, Conceitos de Matemática II, Sociologia da Educação e da Escola. Somente a disciplina de Matemática Discreta pertence ao curso de Matemática, as outras três pertenciam ao curso de Educação Básica. Na turma de Matemática Discreta, não me senti muito acolhida, não sei se seria uma característica do curso ou dos alunos. Como tive algumas dificuldades com os conteúdos, participava das sessões extras que havia para conseguir aprovação. A professora da disciplina via o meu esforço e sempre procurava me ajudar.

Em relação às disciplinas que cursei com os alunos da Educação Básica, me senti mais “livre”. Além de eu ter uma intimidade maior com o conteúdo tratado nas disciplinas, de certa forma, minha relação com a turma era melhor. Consegui participar de atividades em grupo e me comunicar mais. A disciplina de Didática e Tecnologia da Matemática foi ministrada no Laboratório de Educação Matemática da Universidade de Aveiro, onde tínhamos acesso a computadores com os programas matemáticos gratuitos mais utilizados, como o GeoGebra e o Régua e Compasso, vários livros de conteúdos específicos, sólidos, planos, jogos, materiais para desenvolver atividades para quase todos os ciclos da Educação Básica. A disciplina de Sociologia trouxe muitas reflexões envolvendo minhas experiências no Brasil, pois os meus colegas de curso tinham curiosidades acerca da educação brasileira e desenvolvi um trabalho a respeito desse assunto para a disciplina.

Nas primeiras aulas que assisti, eu sentia um pouco de dificuldade em compreender o que os professores falavam. Pela diferença de sotaque, palavras e até os diferentes sentidos que certas palavras assumiam, eu demorava para entender as mensagens. Com o tempo, fui acostumando e até passei a falar mais parecido com os portugueses, pois a recíproca era verdadeira. Não percebi muita diferença na relação professor-aluno, mas sim entre os alunos. Talvez por ter sido uma aluna de fora, os alunos não souberam lidar muito comigo. Mas sempre me senti acolhida pelos professores.

Ao final do semestre letivo, obtive um conceito positivo de aproveitamento em todas as disciplinas. Além do conhecimento que consegui agregar, tive acesso a diferentes perspectivas pedagógicas, organização institucional, outro país e cultura, foi muito proveitoso para a minha formação. As metodologias utilizadas quase se assemelham ao que tive na UFF. Foi um período de aprendizagens e importantes vivências, tornando-se um intercâmbio de valor inestimável na minha formação docente.

Durante a minha estada em Aveiro, tentei conhecer o máximo possível da cidade. É uma linda cidade portuguesa. Próxima ao litoral, Aveiro conta com a famosa Ria de Aveiro, que é uma lagoa de água salgada que corta uma boa parte da cidade. Na Ria podemos ver pequenas embarcações coloridas que fazem passeios pela sua extensão levando turistas curiosos.

Há igrejas lindas, monumentos, praças, pontes, casas, fábricas, até os centros comerciais são memoráveis. Cada pedacinho dessa linda cidade eu levo comigo. Aos fins de semana, costumava sempre comer as famosas Tripas de Aveiro, que é um doce característico da cidade feito de uma massa que é cozida e recheada numa máquina própria e servida quente. Meu sonho é comer uma tripa quentinha mais uma vez. Também não se pode esquecer de outra iguaria de Aveiro, os Ovos Moles. São doces feitos a partir de açúcar e gema de ovo, formando uma pasta cremosa. Quem visita Aveiro, não pode deixar de comer esses doces típicos da cidade.

Ao longo desses seis meses, consegui me aproximar de grupos cristãos tanto em igrejas que eu visitava quanto na faculdade, e isso me ajudou muito nos meus relacionamentos com as pessoas. Nesses grupos, eu era muito bem acolhida e pude conhecer várias pessoas, me aproximando mais da cultura portuguesa. Claro que em toda parte havia brasileiros. O engraçado era que toda vez que eu conhecia um brasileiro, sentia que tal pessoa já era minha amiga faz tempo. Trocávamos nossas experiências enquanto forasteiros e sempre era muito divertido e enriquecedor.

Sempre que havia a oportunidade, eu saía de Aveiro para conhecer mais lugares em Portugal. Visitei o Porto, Coimbra e Lisboa, em todos os pontos turísticos. Além disso, também pude visitar Madrid na Espanha e Paris na França. São memórias que vão ficar para sempre. Tanto para Madrid como para Paris, fui sozinha, com 21 anos de zero experiência em viagens e inglês no nível mais básico possível. Mas tudo isso foi suficiente para me dar coragem de explorar, pois seria uma coisa que somente eu poderia fazer por mim mesma naquele momento.

No início do intercâmbio, eu me sentia bem sozinha e com vontade de voltar, saudades da minha família e amigos. Já ao final dos seis meses, percebi o quanto tudo passou rápido demais e o quanto eu ainda queria aproveitar, conhecer, viver naquele lugar. Todas as amizades que fiz, os lugares que conheci, as experiências vividas me marcaram e fazem parte de quem eu sou agora.

O pós-intercâmbio

Assim que voltei do intercâmbio, continuei a cursar as disciplinas do curso de licenciatura em Matemática na UFF. Consegui obter um aproveitamento das disciplinas que cursei na UA substituindo algumas que deveria ainda cursar na minha licenciatura. Toda a minha experiência vivida no intercâmbio influenciou diretamente na minha atuação como estudante da UFF e na minha vida pessoal. Pas- sei a ver as pessoas e o mundo de uma maneira diferente, sempre com tolerância e respeito, me adaptando e sendo sempre flexível. A olhar as pessoas com novos olhos, aceitando suas diferenças e abraçando a diversidade.

Até concluir o curso de licenciatura em Matemática, sempre procurei compartilhar minhas experiências no intercâmbio com outros alunos a fim de incentivar mais pessoas a fazerem uma boa escolha, assim como eu fiz. Passava todas as informações, tudo o que eu havia estudado para o meu intercâmbio, sobre Portugal, sobre minhas viagens, meu dia a dia, meu relacionamento com as pessoas, com o dinheiro, isso de alguma forma ajudou alguns estudantes, pois com a minha chegada, vários outros estudantes do meu campus começaram a participar com mais frequência de intercâmbios, dessa forma multiplicando cada vez mais essa comunidade que somos nós, os alunos intercambistas.

Hoje, como professora de Matemática formada e Mestre em Educação Matemática, vejo o impacto de ter participado do intercâmbio na minha didática como professora, na minha relação com os alunos e na minha atuação na escola. Além de toda a influência no meu dia a dia, compartilho sempre com os meus alunos que não há limites para nós. Temos que aproveitar as oportunidades e nos entregar ao máximo quando nos comprometemos.

Para mim, essas chances que a vida nos dá, com a perspectiva de um futuro melhor começa com a Educação, pois foi a partir do acesso ao ensino superior no campus da UFF, na minha cidade, que tive a oportunidade de me descobrir professora, de viver a experiência do intercâmbio e sentir as mudanças que essa formação me proporcionou, influenciando a minha vontade de me tornar uma pesquisadora e dessa forma colaborar na formação de mais jovens para se desenvolverem profissionalmente e pessoalmente.

A experiência que ficou

Viajar e conhecer lugares, pessoas e culturas diferentes é uma experiência que recomendo para qualquer pessoa que tenha essa oportunidade. Tal vivência nos abre a mente para um mundo novo, nos tira da zona de conforto, nos faz conhecer o nosso verdadeiro limite, a ter mais empatia, mais respeito, menos preconceito, a ser mais flexível, a se adaptar, a se abrir emocionalmente, a viver.

Foi uma das experiências mais maravilhosas da minha vida e quero logo poder voltar novamente a Aveiro tanto para trazer à memória os momentos felizes quanto para me proporcionar novos. Sigo sempre incentivando o intercâmbio e compartilhando minha experiência como forma de ajudar a tomada de decisão de quem ainda tem alguma dúvida. Agradeço à UFF e ao Santander por proporcionarem essa oportunidade.

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